Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Participei do jubileu de ouro da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, nesta tarde de sábado (22), entre as Praças da República e da Sé, no Centro de São Paulo.
Agradeço, portanto, à organização do ato, pois ele foi histórico. Afinal de contas, nunca imaginei que os brasileiros teriam coragem de fazer isso de novo.
Devo confessar, contudo, que fui guiado não pelo nobre interesse jornalístico, mas sim por uma mórbida curiosidade. Qual seria a outra oportunidade que teria de conhecer a parte barulhenta dos comentaristas deste blog? A parte que acha que sou o demônio e transforma este espaço em algo divertidíssimo. A parte que não acredita em democracia.
Como esse naco social extremamente conservador vai para o céu quando morrer e eu, que não creio, habitarei o limbo pela eternidade, não poderia deixar de ver seus rostos, sentir seu cheiro, ouvir suas ideias, olho no olho, pelo menos uma vez na vida.
Primeiramente, fico feliz que eles – vencendo o preconceito e o medo – tenham saído do armário. Porque, apesar de sempre existirem, suas ideias eram sussurradas no âmbito privado e, portanto, estavam alheias à possibilidade de debate público. Viva, pois, a maldita democracia!
O tamanho da lista de pautas dos manifestantes rivalizava com demandas de sindicatos em greve ou estudantes em paralisação. Pedem ajuda para as FFAA (Forças Armadas) a fim de uma intervenção militar já. Querem Lula e Dilma na cadeia. Suplicam pelo fim da ameaça comunista e /ou socialista no país (antes fosse, gente… se o PT é comunista, eu sou mico de circo). E são contrários ao julgamento de militares por crimes contra os direitos humanos durante a ditadura. Louvaram, ainda, a polícia, criticando as propostas de sua desmilitarização.
Ah, e no carro de som, gritava-se algo como “se o Brasil não é comunista, por que querem a aprovação do Marco Civil da internet?''
Em determinado momento, um grupo que estava à frente da marcha também reivindicou uma parte querida do corpo deste blogueiro, entoando em uníssino: “Ei, Sakamoto, vai tomar no cu!'' Detalhe que havia, entre eles, uma imagem de Nossa Senhora.
Mas não posso me furtar a questionar: com base nas leituras reacionárias do livro sagrado do cristianismo, intepretações usadas para espancar gays, lésbicas, transexuais, pergunto se o pedido que me fizeram não seria – diante dos olhos de Deus que, segundo os organizadores, estava junto com a marcha - uma “abominação''.
Acho que se existe um Deus, ele estava curtindo a marcha antifascista, realizada simultaneamente a esta e que reuniu mais gente, caminhando entre a Praça da Sé e o antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social, local de torturas durante a ditadura, na região da Luz.
Provavelmente pelo fato de estarem pouco acostumados a irem às ruas e conviverem com a diferença, havia um clima de tensão no ar. De desconfiança com o ambiente, sabe? Um skinhead aqui e outro ali olhando torto, uma tentativa de calar alguém que discordava da natureza do ato, pressão para abaixar faixas que não estivessem de acordo com o coletivo e elogios à grande “imprensa comunista mentirosa'' ali presente.
E falando em imprensa, creio que havia em torno de 100 jornalistas trabalhando por lá, para algo em torno de 400 manifestantes (a grande maioria de homens e de uma faixa etária bem superior às das manifestações que se tornaram corriqueiras por aqui), além de uma quantidade enorme de policiais fazendo cordão para acompanhar o povo.
Um colega, jornalista das antigas, já tinha me sugerido que ir de “black bloc'' era mais seguro que ir de “Sakamoto''. E não é que ele estava certo! Fui procurar meus leitores, mas meus leitores me acharam primeiro.
De tempos em tempos, um grupo deles me reconhecia. Começa a gritar, chegava perto, apontava o dedo, gravava em vídeo, xingava, vociferava, me chamando de “comunista''. Será que eles não sabem que tenho um MacBook e gosto de caviar? Um manifestante passou por mim várias vezes, dando leves ombradas, no melhor estilo de provocações escolares, sempre que chegava perto. Logo no braço que a LER/Dort mais ataca. Podia ser no outro, não?
Agradeço aos colegas da imprensa que me tiraram de perto nas vezes em que a chapa esquentou (valeu, galera!).
Não é mérito nenhum meu, é claro. Sobrou para todo mundo. Incluindo um grupo de jovens, vestidos de preto, que estava indo provavelmente para o show do Metallica e foram xingados por manifestantes perto do metrô Anhangabaú.
Enfim, apesar de tudo isso, achei a manifestação pedagógica.
Porque todas as visões de mundo têm direito a se manifestar.
Porque o número de pessoas que bradam por uma intervenção militar é menor ainda do que eu esperava.
Porque muitos dos curiosos que paravam para ver e que tive a oportunidade de conversar, de vendedores ambulantes a engravatados, quando informados do conteúdo das reivindicações, franziam a testa e perguntavam: mas a gente não brigou tanto para não ter exército no poder?
E porque conversas e atitudes de muitos manifestantes mostravam que um desconhecimento grande da história do Brasil justificava uma visão de mundo totalitária. Ou seja, há esperança de que, com educação de qualidade e muito debate político, a gente chega lá. Ô se chega!
Participei do jubileu de ouro da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, nesta tarde de sábado (22), entre as Praças da República e da Sé, no Centro de São Paulo.
Agradeço, portanto, à organização do ato, pois ele foi histórico. Afinal de contas, nunca imaginei que os brasileiros teriam coragem de fazer isso de novo.
Devo confessar, contudo, que fui guiado não pelo nobre interesse jornalístico, mas sim por uma mórbida curiosidade. Qual seria a outra oportunidade que teria de conhecer a parte barulhenta dos comentaristas deste blog? A parte que acha que sou o demônio e transforma este espaço em algo divertidíssimo. A parte que não acredita em democracia.
Como esse naco social extremamente conservador vai para o céu quando morrer e eu, que não creio, habitarei o limbo pela eternidade, não poderia deixar de ver seus rostos, sentir seu cheiro, ouvir suas ideias, olho no olho, pelo menos uma vez na vida.
Primeiramente, fico feliz que eles – vencendo o preconceito e o medo – tenham saído do armário. Porque, apesar de sempre existirem, suas ideias eram sussurradas no âmbito privado e, portanto, estavam alheias à possibilidade de debate público. Viva, pois, a maldita democracia!
O tamanho da lista de pautas dos manifestantes rivalizava com demandas de sindicatos em greve ou estudantes em paralisação. Pedem ajuda para as FFAA (Forças Armadas) a fim de uma intervenção militar já. Querem Lula e Dilma na cadeia. Suplicam pelo fim da ameaça comunista e /ou socialista no país (antes fosse, gente… se o PT é comunista, eu sou mico de circo). E são contrários ao julgamento de militares por crimes contra os direitos humanos durante a ditadura. Louvaram, ainda, a polícia, criticando as propostas de sua desmilitarização.
Ah, e no carro de som, gritava-se algo como “se o Brasil não é comunista, por que querem a aprovação do Marco Civil da internet?''
Em determinado momento, um grupo que estava à frente da marcha também reivindicou uma parte querida do corpo deste blogueiro, entoando em uníssino: “Ei, Sakamoto, vai tomar no cu!'' Detalhe que havia, entre eles, uma imagem de Nossa Senhora.
Mas não posso me furtar a questionar: com base nas leituras reacionárias do livro sagrado do cristianismo, intepretações usadas para espancar gays, lésbicas, transexuais, pergunto se o pedido que me fizeram não seria – diante dos olhos de Deus que, segundo os organizadores, estava junto com a marcha - uma “abominação''.
Acho que se existe um Deus, ele estava curtindo a marcha antifascista, realizada simultaneamente a esta e que reuniu mais gente, caminhando entre a Praça da Sé e o antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social, local de torturas durante a ditadura, na região da Luz.
Provavelmente pelo fato de estarem pouco acostumados a irem às ruas e conviverem com a diferença, havia um clima de tensão no ar. De desconfiança com o ambiente, sabe? Um skinhead aqui e outro ali olhando torto, uma tentativa de calar alguém que discordava da natureza do ato, pressão para abaixar faixas que não estivessem de acordo com o coletivo e elogios à grande “imprensa comunista mentirosa'' ali presente.
E falando em imprensa, creio que havia em torno de 100 jornalistas trabalhando por lá, para algo em torno de 400 manifestantes (a grande maioria de homens e de uma faixa etária bem superior às das manifestações que se tornaram corriqueiras por aqui), além de uma quantidade enorme de policiais fazendo cordão para acompanhar o povo.
Um colega, jornalista das antigas, já tinha me sugerido que ir de “black bloc'' era mais seguro que ir de “Sakamoto''. E não é que ele estava certo! Fui procurar meus leitores, mas meus leitores me acharam primeiro.
De tempos em tempos, um grupo deles me reconhecia. Começa a gritar, chegava perto, apontava o dedo, gravava em vídeo, xingava, vociferava, me chamando de “comunista''. Será que eles não sabem que tenho um MacBook e gosto de caviar? Um manifestante passou por mim várias vezes, dando leves ombradas, no melhor estilo de provocações escolares, sempre que chegava perto. Logo no braço que a LER/Dort mais ataca. Podia ser no outro, não?
Agradeço aos colegas da imprensa que me tiraram de perto nas vezes em que a chapa esquentou (valeu, galera!).
Não é mérito nenhum meu, é claro. Sobrou para todo mundo. Incluindo um grupo de jovens, vestidos de preto, que estava indo provavelmente para o show do Metallica e foram xingados por manifestantes perto do metrô Anhangabaú.
Enfim, apesar de tudo isso, achei a manifestação pedagógica.
Porque todas as visões de mundo têm direito a se manifestar.
Porque o número de pessoas que bradam por uma intervenção militar é menor ainda do que eu esperava.
Porque muitos dos curiosos que paravam para ver e que tive a oportunidade de conversar, de vendedores ambulantes a engravatados, quando informados do conteúdo das reivindicações, franziam a testa e perguntavam: mas a gente não brigou tanto para não ter exército no poder?
E porque conversas e atitudes de muitos manifestantes mostravam que um desconhecimento grande da história do Brasil justificava uma visão de mundo totalitária. Ou seja, há esperança de que, com educação de qualidade e muito debate político, a gente chega lá. Ô se chega!
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