segunda-feira, 10 de agosto de 2015

"Pautas bombas" e o desespero golpista

Por Helena Sthephanowitz, na Rede Brasil Atual:

Se o PMDB estivesse com a bola toda para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, iria votar pautas bombas para inviabilizar um hipotético governo do correligionário Michel Temer? Claro que não.

Se Aécio Neves tivesse expectativa de chegar ao poder em breve, iria tocar fogo com pautas bombas que explodiriam no seu colo? Também não.

Então até o cimento da Praça dos Três Poderes sabe que, na conjuntura atual, não existe a menor viabilidade de dar o golpe "paraguaio" do impeachment.

A mídia oligopólica conspira. Políticos da oposição e alguns insatisfeitos da base governista conspiram. Tem sim parlamentares que desejariam o golpe para pegar o poder, mas sabem que não têm cacife para tanto. Porque a situação é igual à das potências nucleares na Guerra Fria: apontavam os mísseis mas não podiam disparar, porque não sobreviveriam à inevitável retaliação.

Ameaçar com o impeachment serve para "sangrar" o governo Dilma (como expressou o senador tucano Aloysio Nunes, tempos atrás), para enfraquecê-lo Serve para chantagear politicamente, para o poder econômico passar patifarias contra os trabalhadores e contra a cidadania no Congresso. Mas o golpe em sim é apenas uma ameaça porque, ao se deflagrar um processo de impeachment, a retaliação será fatal para as forças políticas golpistas.

Não tem como rolar a cabeça de uma presidenta cuja honestidade fica comprovada em todas as investigações, sem rolar antes a cabeça de dezenas, talvez centenas de parlamentares investigados ou denunciados por corrupção. Grande parte deles, justamente os golpistas. Além disso, a deflagração de uma muito provável fúria popular se alastraria contra governadores, prefeitos, vices – alguns na situação de investigados em diversas operações e apurações pelo país.

Enquanto os golpistas blefam sem limites, a presidenta é obrigada a ser comedida como devem ser chefes de Estado, e tocar o governo em frente. Porém, se vier a ser iniciado um processo de impeachment, reagir ao golpe e abrir fogo cerrado – politicamente falando – passa a ser até mesmo uma obrigação para a presidenta, na defesa da própria integridade democrática do país.

Além disso, hipoteticamente falando, como imaginar a aceitação popular de qualquer sucessor vindo dos meios políticos suspeitos, carregando todos os vícios do sistema, e ainda mais sem ter sido eleito pelo voto popular. Até para quem não gosta da presidenta, seria trocar o ruim pelo pior.

Também não passa de desejo irrealizável a tese do senador tucano Aécio Neves de pedir novas eleições antecipadas. Primeiro porque salta aos olhos tratar-se de capricho pessoal por ter sido derrotado nas urnas e de que é ambição por cálculo político momentâneo. Não vivemos no parlamentarismo mas, se vivêssemos, teríamos presidente e primeiro-ministro. Em casos de crises políticas, o parlamento poderia trocar o primeiro-ministro, mas quem teria poderes para convocar novas eleições seria justamente o presidente – e para eleger um novo Congresso.

Se a crise política fosse tão grave a ponto de haver um esgotamento institucional na governança do país – e não é esse o caso – o correto seria convocar uma Assembleia Nacional Constituinte para fazer pelo menos as reformas política e administrativa e convocar novas eleições gerais. Não é trocando presidente, mantendo todo o entorno intacto ou pior, que saciaria a fome de mudança do povo.

A tese de novas eleições em caso de crise só interessaria ao povo se fossem eleições gerais, para eleger também outro Congresso Nacional, e com outras regras, para que seja representativo dos anseios populares.

O ritmo frenético do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao colocar em votação e aprovar as chamadas pautas bombas – verdadeiros "cheques sem fundos" que não cabem no Orçamento da União – revela mais desespero de quem está atirando porque está caindo, do que força para dar um golpe e destituir a presidência da República.

Cunha foi eleito por seus pares pela expectativa de poder que ele representava. Com uma Câmara mais fisiológica eleita em 2014, o estilo de ser e atuar de Cunha, na base de fazer pressão por cargos e verbas e em troca votar projetos de interesse dos seus círculos, seduziu a maioria parlamentar.

Porém, desde que o presidente da Câmara apareceu envolvido nas investigações da operação Lava Jato, ele tem misturado suas encrencas pessoais com o cargo que ocupa, obstruindo negociações políticas legítimas. Chegou ao ponto de se declarar na oposição ao poder Executivo como retaliação por ter sido delatado no poder Judiciário. É como se ele quisesse que o poder Executivo garantisse uma impossível impunidade em outro poder independente.

Para piorar, tem arrastado seus correligionários para suas encrencas. A contratação da empresa de investigação Kroll pela CPI da Petrobras já está virando um escândalo em si, a ponto de oficialmente só dois membros saberem quem e o que a Kroll investiga. Nem se trata de ter acesso ao resultado final da investigação. Nem sequer o pedido do que investigar está sob sigilo.

O deputado Paulinho da Força, aliado de Cunha, requereu na CPI a quebra do sigilo telefônico do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, a quem o presidente da Câmara hostilizou por ser investigado. Janot acabou fortalecido por sua classe vencendo a eleição para ser indicado para continuar no cargo por mais dois anos. Paulinho ficou com o desgaste e tem submergido publicamente, conspirando pelo impeachment em cafés da manhã e jantares de "golpistas clandestinos" (aqueles que negam estarem conspirando).

Outro desgaste ruim para os parlamentares é que as pautas bombas e a agenda denuncista de CPIs estão desagradando empresários que financiaram campanhas destes deputados. E a mesma crise que afeta a economia do governo federal atinge também governadores e prefeitos aliados dos parlamentares e empresas. Não dá para sustentar fogo amigo por muito tempo contra quem dá suporte às suas eleições.

Com isso, a liderança de Cunha está com prazo de validade vencendo. Mesmo que ele consiga sobreviver no cargo, será enquadrado por seus seguidores. A bancada fisiológica que o elegeu não quer saber de ficar ao lado da oposição. Quer participar do governo em cargos e conseguir verbas para suas bases eleitorais. O blefe do impeachment é útil a Cunha porque transparece expectativa de poder. Tanto passa a ideia de que o PMDB ficaria com a presidência da República se Dilma caísse, como passa a ideia de que Dilma estaria na mão dele para ficar. Nenhuma das duas coisas é propriamente verdade pela conjuntura desfavorável ao impeachment.

Assim esse blefe está se esgotando. A bancada hoje cunhista não vai esperar para as escaramuças de Cunha com o governo sem resultado, e a ficha está caindo de que o impeachment é inviável. Isto faz os parlamentares passarem a buscar outros canais de interlocução com ministérios para voltar à paz com o governo para ver suas demandas atendidas.

A crise política na base governista, hoje, parece com a parábola da carroça de abóboras. Um cocheiro dirigia a carroça por uma estrada de terra esburacada e a cada solavanco parava para ajeitar as abóboras que saiam do lugar. Até que viu outra carroça passando e outro cocheiro mais experiente seguia em frente e nem olhava para trás. As abóboras que estavam desarrumadas organizavam-se sozinhas no próximo solavanco.

Os solavancos políticos que vêm por aí não resultarão em impeachment, que se mostra cada vez mais ser inviável. Um deles, talvez o maior, é a operação Lava Jato avançando em direção a caciques do PMDB e de outros partidos, inclusive da oposição. Fala-se em um terço ou um quarto do Congresso cair nas investigações da Lava Jato. É bem possível que deflagre até um rearranjo partidário com rachas, fusões, trocas de nomes e de legenda.

Outro solavanco que acomodará as coisas será a presidenta Dilma trocar o ministério, pois o atual não está cumprindo o compromisso de uma coalizão.

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