sábado, 9 de janeiro de 2016

Assim se desfaz a herança do Lulismo

Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:

O Banco Central divulgou ontem dados que deveriam ser examinados com atenção, por quem pensa que a crise econômica brasileira é uma ladainha construída pela oposição à presidente Dilma. A chamada “demanda interna” (que corresponde ao consumo dos brasileiros mais os investimentos feitos no país) despencou 6,2% em 2015. O recuo é muito superior à queda do PIB (-3,6%), que considera também o resultado das compras e vendas ao exterior. Prevê-se, além disso, que o fenômeno prossiga em 2016, quando, segundo os dados do próprio governo, haverá uma retração de 3,7%. No período de dois anos, a demanda interna terá caído 10%. O retrocesso será inédito, superando tanto a recessão que antecedeu o fim da ditadura militar quanto a que levou o presidente Collor de Mello ao impeachment.

As consequências deste movimento são brutais. Entre 2002 e 2014, o aumento do consumo interno foi, precisamente, o fator principal para consolidação do lulismo. Não houve reformas estruturais, como se sabe. Mas o resgate de dezenas de milhões de pessoas da miséria, e a sensação de que as maiorias finalmente tinham acesso a bens antes proibidos tiveram enorme efeito político. Se estas conquistas forem solapadas, que sobrará?

Lula e Dilma encontraram-se ontem, em Brasília, numa reunião de que também participaram o ministro da Casa Civil, Jacques Wagner, e o presidente do PT, Rui Falcão. Segundo relatos, Lula discordou de Wagner, para quem o impeachment de Dilma está enterrado. O ex-presidente teria advertido que o tema voltará à agenda após o recesso do Parlamento, se se multiplicarem notícias como demissões em massa, quebra de empresas, atraso nos salários do funcionalismo, inadimplência.

Qual a alternativa? Lula pediu apenas “medidas pontuais” para conter a crise. Significa que, também para ele, não é possível reverter o “ajuste fiscal” – a louca tentativa de sanear as finanças públicas sem tocar no pagamento de juros, o principal ralo por onde se esvaem os recursos do Estado. Pode haver paliativos – algum incentivo do Banco do Brasil e Caixa à compra de imóveis ou automóveis. Mas nada de romper tabus, de questionar as medidas sagradas que garantem o lucro crescente dos bancos e dos mais ricos, enquanto afundam o país.

Que estranhos mecanismos de submissão impedem as sociedades de enxergar suas tragédias, e levam governantes ao suicídio político? Em busca de respostas, vale ler o artigo essencial que o sociólogo Boaventura de Souza escreveu sobre os impasses contemporâneos da esquerda. Num trecho notável, ele refere-se a hegemonia. Trata-se, em sua definição sintética e preciosa, do “conjunto de ideias sobre sociedade e de interpretações do mundo e da vida que, por serem altamente partilhadas (inclusive pelos grupos sociais prejudicados por elas) permitem que as elites políticas governem mais por consenso que por coerção, mesmo quando governam contra os interesses da maioria”.

Boaventura explica: quando os pobres acreditam que são pobres por culpa própria, pode-se dizer que esta ideia tornou-se hegemônica. Lula e Dilma, assim como a grande maioria dos brasileiros, parecem estar convencidos de que o país pecou contra forças diante das quais era impotente – e agora deve penitenciar-se por isso. Enquanto esta crença perdurar, estaremos todos fritos.

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