Por Silvio Caccia Bava, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
A campanha sistemática da mídia golpista contra o governo e o PT, estimulando o antagonismo da população contra os “petralhas”, está dando resultado. Os ânimos estão se acirrando, os ódios vêm à tona, aprofundam-se a polarização social e política, a intransigência, a violência, a repressão. Episódios recentes atestam que essa polarização é promovida pela direita. Guilherme Boulos, coordenador do MTST, afirma: “não somos nós, é a direita que está incendiando o Brasil”.
A crise econômica, a paralisia do governo diante das manobras de sabotagem da oposição, e as seguidas denúncias de escândalos de corrupção dão combustível para amplas mobilizações contra o governo e o PT, manifestações de rua pedindo o impeachment da presidenta. Mobilizações integradas principalmente por uma classe média de média idade. O desemprego e o descontentamento com o governo trouxe para esse campo uma parte dos trabalhadores. A redução dos programas sociais, como Minha Casa Minha Vida, Pronatec, Prouni e outros, é o principal motivo que justifica o engajamento popular na oposição ao governo, o que é muito distinto dos motivos que levam as classes médias às ruas. Estas querem assegurar privilégios; aqueles desejam um Estado forte, capaz de prover políticas sociais.
A campanha midiática levou muita gente à rua, achando que o impeachment solucionará todos os problemas que o país está vivendo. Segundo a pesquisa Datafolha de 17 e 18 de março, 68% dos brasileiros são favoráveis ao afastamento da presidenta pelo Congresso Nacional. Esse número coincide com aqueles que consideram o governo ruim ou péssimo (69%). E 39% consideram que a corrupção é o maior problema do Brasil.
Tudo indica que na aposta do “tudo ou nada”, ou “agora não tem retorno”, declarada por deputados do PMDB, está em marcha um golpe de Estado. O respeito à Constituição e à legalidade democrática fica em segundo plano e abre-se um período de arbítrio e enfrentamentos que pode ter consequências mais sombrias do que muitos pensam.
A polarização social, irresponsavelmente insuflada por parte da mídia, neste contexto, não pode ser refreada. Ela poderá se estender por anos. A democracia será capaz de controlá-la ou entraremos em novos períodos de arbítrio, violência, repressão e perseguições políticas?
Em março, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em defesa da democracia, da legalidade e da continuidade do governo Dilma. São expressão de uma parte da sociedade que não aceita o golpe. Essas manifestações da cidadania são organizadas por sindicatos, movimentos sociais, associações profissionais, uma infinidade de entidades que fazem parte do rico tecido organizativo de nossa sociedade. Destaque para a presença da juventude, que percebe a hipocrisia dos falsos moralistas que querem convencer que o PT é o único responsável pela corrupção que corrói as instituições deste país.
A ameaça de golpe traz consigo a perspectiva de políticas de perda de direitos, o que geraria um crescendo de mobilizações sociais e uma escalada da repressão, levando a polarização social e política a outros níveis.
É a luta de classes em sua forma mais clara e dura. Os golpistas afirmam que a Constituição, com os direitos sociais que assegura, não cabe no orçamento da União. É uma ofensiva para rebaixar o custo da força de trabalho: promoção do desemprego, cortes nos reajustes de salários e aposentadorias, na previdência, na saúde, na educação etc. Tudo isso para tornar o Brasil “mais competitivo” na disputa dos mercados mundiais. A questão social não lhes interessa.
Contra esse assalto aos direitos já se criaram frentes populares, como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, formas de organizar a resistência popular e impedir o golpe. Essas Frentes precisam construir um arco de alianças sociais mais amplo, que quebre a polarização social, envolva setores das classes médias, e conforme uma nova maioria. A defesa da democracia, da legalidade e do emprego são bandeiras que já vêm sendo utilizadas em manifestações e expressam elementos agregadores de uma opinião pública maior.
O golpe planejado está em curso, mas ainda há obstáculos jurídicos e políticos para que se consume. A continuidade do governo da presidenta Dilma, ou o destino final das ações visando Lula, dependem da intensidade das manifestações sociais e da capacidade de resistência das forças democráticas.
Não é demais lembrar 2013: quão amedrontados ficaram os deputados federais que estavam no Congresso Nacional e foram cercados pela população, que ameaçou invadir o prédio. A fragilidade ideológica e programática dos partidos políticos se manifesta no comportamento de seus deputados, que atendem a interesses particulares, não ao interesse público. Uma pressão popular direta sobre eles demonstrou que pode produzir resultados imediatos. Vários projetos de interesse social foram desengavetados e aprovados na tentativa de se restabelecer algum vínculo entre o deputado e suas bases políticas, e sobretudo com a opinião pública.
É hora de trazer de volta o tema da Constituinte independente para a reforma política. Com a falência do sistema político atual, é impossível recompor um espaço de representação e negociação – o espaço da política – para a resolução dos conflitos. As regras do jogo têm de mudar e ser mais inclusivas das representações das maiorias.
* Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
A campanha sistemática da mídia golpista contra o governo e o PT, estimulando o antagonismo da população contra os “petralhas”, está dando resultado. Os ânimos estão se acirrando, os ódios vêm à tona, aprofundam-se a polarização social e política, a intransigência, a violência, a repressão. Episódios recentes atestam que essa polarização é promovida pela direita. Guilherme Boulos, coordenador do MTST, afirma: “não somos nós, é a direita que está incendiando o Brasil”.
A crise econômica, a paralisia do governo diante das manobras de sabotagem da oposição, e as seguidas denúncias de escândalos de corrupção dão combustível para amplas mobilizações contra o governo e o PT, manifestações de rua pedindo o impeachment da presidenta. Mobilizações integradas principalmente por uma classe média de média idade. O desemprego e o descontentamento com o governo trouxe para esse campo uma parte dos trabalhadores. A redução dos programas sociais, como Minha Casa Minha Vida, Pronatec, Prouni e outros, é o principal motivo que justifica o engajamento popular na oposição ao governo, o que é muito distinto dos motivos que levam as classes médias às ruas. Estas querem assegurar privilégios; aqueles desejam um Estado forte, capaz de prover políticas sociais.
A campanha midiática levou muita gente à rua, achando que o impeachment solucionará todos os problemas que o país está vivendo. Segundo a pesquisa Datafolha de 17 e 18 de março, 68% dos brasileiros são favoráveis ao afastamento da presidenta pelo Congresso Nacional. Esse número coincide com aqueles que consideram o governo ruim ou péssimo (69%). E 39% consideram que a corrupção é o maior problema do Brasil.
Tudo indica que na aposta do “tudo ou nada”, ou “agora não tem retorno”, declarada por deputados do PMDB, está em marcha um golpe de Estado. O respeito à Constituição e à legalidade democrática fica em segundo plano e abre-se um período de arbítrio e enfrentamentos que pode ter consequências mais sombrias do que muitos pensam.
A polarização social, irresponsavelmente insuflada por parte da mídia, neste contexto, não pode ser refreada. Ela poderá se estender por anos. A democracia será capaz de controlá-la ou entraremos em novos períodos de arbítrio, violência, repressão e perseguições políticas?
Em março, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em defesa da democracia, da legalidade e da continuidade do governo Dilma. São expressão de uma parte da sociedade que não aceita o golpe. Essas manifestações da cidadania são organizadas por sindicatos, movimentos sociais, associações profissionais, uma infinidade de entidades que fazem parte do rico tecido organizativo de nossa sociedade. Destaque para a presença da juventude, que percebe a hipocrisia dos falsos moralistas que querem convencer que o PT é o único responsável pela corrupção que corrói as instituições deste país.
A ameaça de golpe traz consigo a perspectiva de políticas de perda de direitos, o que geraria um crescendo de mobilizações sociais e uma escalada da repressão, levando a polarização social e política a outros níveis.
É a luta de classes em sua forma mais clara e dura. Os golpistas afirmam que a Constituição, com os direitos sociais que assegura, não cabe no orçamento da União. É uma ofensiva para rebaixar o custo da força de trabalho: promoção do desemprego, cortes nos reajustes de salários e aposentadorias, na previdência, na saúde, na educação etc. Tudo isso para tornar o Brasil “mais competitivo” na disputa dos mercados mundiais. A questão social não lhes interessa.
Contra esse assalto aos direitos já se criaram frentes populares, como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, formas de organizar a resistência popular e impedir o golpe. Essas Frentes precisam construir um arco de alianças sociais mais amplo, que quebre a polarização social, envolva setores das classes médias, e conforme uma nova maioria. A defesa da democracia, da legalidade e do emprego são bandeiras que já vêm sendo utilizadas em manifestações e expressam elementos agregadores de uma opinião pública maior.
O golpe planejado está em curso, mas ainda há obstáculos jurídicos e políticos para que se consume. A continuidade do governo da presidenta Dilma, ou o destino final das ações visando Lula, dependem da intensidade das manifestações sociais e da capacidade de resistência das forças democráticas.
Não é demais lembrar 2013: quão amedrontados ficaram os deputados federais que estavam no Congresso Nacional e foram cercados pela população, que ameaçou invadir o prédio. A fragilidade ideológica e programática dos partidos políticos se manifesta no comportamento de seus deputados, que atendem a interesses particulares, não ao interesse público. Uma pressão popular direta sobre eles demonstrou que pode produzir resultados imediatos. Vários projetos de interesse social foram desengavetados e aprovados na tentativa de se restabelecer algum vínculo entre o deputado e suas bases políticas, e sobretudo com a opinião pública.
É hora de trazer de volta o tema da Constituinte independente para a reforma política. Com a falência do sistema político atual, é impossível recompor um espaço de representação e negociação – o espaço da política – para a resolução dos conflitos. As regras do jogo têm de mudar e ser mais inclusivas das representações das maiorias.
* Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
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