segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Finanças: os multimilionários e as vítimas

Por Roberto Sávio, no site Carta Maior:

Entre as muitas atividades do mui rentável negócio da Bloomberg existe o prático Bloomberg Billionaires Index , um índice de bilionários que acaba de publicar suas conclusões anuais. Só inclui as 500 pessoas mais ricas, anunciando orgulhosamente que estas aumentaram sua fortuna em 1 bilhão de dólares em somente um ano.

O aumento foi de 27%, chegando a um cômodo patrimônio de 5 trilhões de dólares. Para colocar isso em perspectiva, o orçamento dos Estados Unidos agora é de 3,7 trilhões. Obviamente, isso significou uma redução equivalente para o resto da população, que perdeu esses trilhões de dólares. O que não se sabe muito é qual o montante da circulação de dinheiro se mantém igual. Não se imprime dinheiro novo para satisfazer as necessidades dos 500 multimilionários mais ricos...

Efetivamente, a Forbes – a revista dos e para os ricos – afirma que há no mundo mais de 2 mil multimilionários, e esse número aumentará rapidamente. A China já superou os Estados Unidos nesse quesito, ao contar com 594 multimilionários, contra 535 dos norte-americanos. A cada três dias nasce um novo milionário no país, e existe até inclusive um exclusivo para eles: o China Entrepreneur Club, que admite membros mediante a unanimidade de seus 64 filiados atuais. Juntos, eles possuem 300 bilhões de dólares, ou seja, 4,5% do PIB chinês.

Como norma, a riqueza na China é um assunto familiar, o que significa que em 10 anos deixarão uma herança de um trilhão de dólares, muito provavelmente para seus filhos, aumentando a quantidade de heranças a 3 trilhões de dólares nos próximos 20 anos.

Sabemos, graças a um amplo estudo realizado pelo economista francês Thomas Piketty, que durante os tempos modernos, em mais de 65 países, a maior parte da riqueza provém de dinheiro herdado. Isso porque, como se sabe, o dinheiro atrai dinheiro.

Reagan começou a campanha “miséria cria miséria, riqueza traz riqueza”, e com isso defendeu cortar mais impostos dos ricos que dos pobres. Uma campanha rapidamente adotada no mundo inteiro. A reforma de Trump, recentemente aprovada nos Estados Unidos, cortou os impostos das corporações, aumentando o déficit estadunidense em 1,7 trilhão de dólares em 10 anos. Ninguém está levando em conta que o déficit dos Estados Unidos já está em 18,96 trilhões de dólares, ou seja, aproximadamente 104% do PIB dos 12 meses anteriores. E esta reforma tributária terá um profundo impacto na Europa, repassando ao continente muitos dos custos dela através da balança de pagamentos e do comércio. Os cinco ministros da fazenda mais importantes da Europa, incluído o do Reino Unido, escreveram artigos protestando contra a medida do presidente Trump, que solo vê os Estados Unidos como ganhador e a todos os demais como perdedores.

Toda essa assombrosa quantidade de dinheiro em poucas mãos – apenas oito indivíduos têm a mesma riqueza que 2,3 milhões de pessoas – nos leva a três considerações relevantes: a) o que é que está acontecendo com a dívida mundial, b) como os governos ajudam os ricos a evadir ou driblar os impostos, e c) como é a relação entre a injustiça e a democracia.

Nenhuma dessas s perspectivas dá lugar à esperança, e muito menos à confiança em nossa classe política.
Comecemos com a dívida mundial. Não recordo ter visto um só artículo a respeito no ano que acaba de terminar. Entretanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou: desde o final do século, a dívida bruta do setor financeiro se duplicou em termos nominais, alcançando 152 trilhões de dólares. Este é um recorde: 225% do PIB mundial. Dois terços provêm do sector privado e um terço do setor público. Mas isso aumentou de menos de 70% do PIB em 2016 a 85%. Um aumento dramático em tão pouco tempo.

Aliás, o prestigiado Instituto de Finanças Internacionais estima que no final deste ano a dívida global, privada e pública alcançará a assombrosa cifra de 226 trilhões de dólares, mais de três vezes o produto econômico mundial anual. E isso não parece preocupar ninguém. Tomemos o estado da economia estadunidense, com um presidente orgulhoso quando presume o índice de crescimento, que agora se estima em 2,6%. Isso mostra a insuficiência do PIB como um indicador válido. O crescimento é um índice macroeconómico. Se 80% se destina a algumas mãos e as migalhas a todos os demais, esses que pagam a maior parte dos impostos. Não é só um exemplo de crescimento, é um problema a ponto de explodir.

Pior, ainda, ninguém está pensando no aumento do déficit. A dívida privada total no final do primeiro trimestre de 2017 foi de 14,9 bilhões de dólares, com um aumento de 900 milhões de dólares em três meses. Enquanto os salários aumentaram de 9,2 bilhões de dólares em 2014 a 10,3 bilhões de dólares no segundo trimestre de 2017, a dívida das famílias aumentou de 13,9 bilhões de dólares a 14,9, um crescimento milhões de dólares em somente quatro meses.

De que crescimento estamos falando? Na verdade, temos o dado de que 86% das pessoas enfrenta uma dívida crescente, e ao mesmo tempo fica mais pobre devido à concentração da riqueza em mãos de somente 1% da população. Isso deveria ser motivo de preocupação para qualquer administração, de esquerda ou de direita: aliás, não é surpreendente que os 400 homens mais ricos dos Estados Unidos, encabeçados por Warren Buffet, tenham escrito carta a Trump dizendo que estão bem e que não necessitam de mais cortes de impostos, para que o presidente se preocupe da parte mais pobre da população.

Agora, a forma preferida de evitar impostos é colocar dinheiro em paraísos fiscais, onde se encontram entre 21 e 30 trilhões de dólares. Tax Justice Network (espécie de observatório da justiça tributária) informa que este sistema está “basicamente desenhado e operado” por um grupo de especialistas altamente remunerados dos bancos privados mais importante do mundo (encabeçados por UBS, Credit Suisse e Goldman Sachs), escritórios de advogados e empresas de contabilidade, tudo isso tolerado por organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, e G20, entre outras.

A quantidade de dinheiro oculto aumentou significativamente desde 2005, o que aumenta também a brecha entre os super ricos e o resto do mundo. E esta é a razão pela qual houve muita pressão para obrigar os bancos a abrirem suas contas a inspetores fiscais e a pressionar países como Bahamas, Hong Kong, Panamá e outros.

Outro bom exemplo da hipocrisia reinante se evidenciou na última reunião dos ministros da Fazenda da União Europeia, ao não chegar a uma decisão sobre algo horrendo: vários países membros (Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda, Holanda, Malta e Chipre), albergam impunidades tributárias em seus territórios – a rainha da Inglaterra investiu 10 milhões de libras num paraíso fiscal inglês recentemente.

Mesmo nos Estados Unidos existem casos particulares, como o de Delaware, que tem paraísos fiscais que são inacessíveis inclusive para a CIA e o FBI. Os investigadores descobriram que os paraísos fiscais como as Ilhas Cayman, Jersey e Bahamas eram muito menos permissivos que os estados como Nevada, Delaware, Montana, Dakota do Sul, Wyoming e Nueva York. “Os estadunidenses descobriram que realmente não necessitam ir ao Panamá”, disse James Henry, do Tax Justice Network. Os ministros europeus decidiram continuar golpeando os países do Terceiro Mundo, até resolver o que fazer em casa própria.

Desta forma, o ocidente proclama os princípios de transparência e rendição de contas, sempre e quando possa impor os custos a outros. Mas existe um paradoxo para os governos ocidentais: se esses paraísos fiscais fossem fechados, já que a maioria dos depósitos vem do Ocidente, poderiam arrecadar muito mais em impostos.

No caso dos Estados Unidos, Kim Clausing, economista do Reed College, estima que os investimentos em paraísos fiscais e outras técnicas de transferências de renda reduziram a renda do Tesouro, somente em 2012, em até 111 bilhões de dólares. Segundo uma nova projeção do Departamento de Orçamento do Congresso, a erosão da base corporativa continuará cortando as rendas tributárias dos impostos sobre as sociedades durante a próxima década. Portanto, deve ficar claro que se os governos deixam que suas receitas provenientes das corporações e dos que mais ganham se reduza, não estão atuando em favor do interesse dos cidadãos comuns.

Logo, saquemos nossas conclusões. Ninguém está prestando atenção ao problema da dívida mundial. Ela está crescendo sem controle, mas estamos empurrando o problema para as próximas gerações, com a esperança de elas possam buscar uma solução milagrosa. Na verdade, estamos carregando elas de dívidas, sem contar a crise climática também descontrolada e tudo mais o que for possível, para evitar agora qualquer sacrifício da nossa parte. Nosso lema parece ser: “vamos a proteger a riqueza e vamos esperar. Em 1952, os impostos sobre as sociedades financiaram aproximadamente 32% do governo estadunidense. Em 2015, a cifra se reduziu a 10,6%.

Embora os paraísos fiscais não sejam a única causa desta alteração, vale a pena mostrar que a proporção de dinheiro corporativos investida em paraísos fiscais se multiplicou por dez desde os Anos 80. Agora, as empresas são presenteadas por Trump com uma gigantesca redução de impostos.

Esta política, que é ocultada dos cidadãos e que nunca foi legitimada por nenhum ato legal formal, agora está sendo vista como a causa do aumento enorme da desigualdade, que não tem precedentes na história. Segundo a organização Oxfam, a Grã-Bretanha terá mais injustiça social em 2020 que nos tempos da rainha Vitória (monarca entre 1837 e 1901). O mundo está movendo mais rápido em favor dos investimento e transações financeiras que a favor da produção de bens e serviços, porque destes não se obtêm lucros instantâneos.

Se estima que com um trilhão de dólares se pode comprar a produção mundial de um dia de bens e serviços. Nesse mesmo dia hipotético dia, a metáfora da média anual, as transações financeiras alcançam 40 trilhões de dólares. Isso quere dizer que por cada dólar gerado pela mão humana há 40 dólares criados por abstrações financeiras.

A globalização obviamente recompensa os capitais, não os seres humanos, o que está tendo impactos na política, e não dos melhores. Em todo do mundo há um número cada vez maior de vencidos, especialmente nos países ricos, também devido ao desenvolvimento tecnológico e às mudanças nos padrões de consumo. Um exemplo clássico são as minas de carvão, que Trump quer ressuscitar, para fazer com que os Estados Unidos voltem a ser grande. Mas o carvão está sendo eliminado inexoravelmente devido às preocupações climáticas (embora o processo não seja suficientemente rápido), e a automatização reduz consideravelmente o número de trabalhadores necessários nesse setor.
Em 2040, a robótica será responsável por 42% da produção de bens e serviços, contra da cifra 16% atual. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), só no Ocidente isso se traduzirá em cerca de 86 milhões de novos desempregados.

Os excluídos dos benefícios da globalização consideram os vencedores como privilegiados do sistema. É a globalização do ressentimento e da frustração, que em poucos anos levado ao aumento de partidos de direita radical em todos os países europeus, que desencadeou o brexit e o próprio surgimento de Trump. Houve um tempo em que a esquerda era o estandarte da luta pela justiça social. Agora é a direita!


Por último, a globalização perdeu seu brilho, mas não seu poder. Agora, a discussão é sobre como desglobalizar, e o preocupante é que o debate não se centra em como conduzir esse processo a serviço da humanidade, e com como distribuir populismo, nacionalismo e xenofobia, para permitir “fazer os Estados Unidos novamente grandes”, com o aumento dos enfrentamentos e conflitos.


Organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial, que durante duas décadas afirmaram que o mercado era a única base para o progresso, porque uma vez que se estabelece um mercado totalmente livre o homem e a mulher comuns são os beneficiários, agora colocam dúvidas sobre esse preceito.


Hoje em dia todos falam da necessidade de que o Estado volte a ser o árbitro das regulações e da inclusão social, porque descobriram que a injustiça social é um freio não só para a democracia como também para o progresso econômico. Mas apesar da recomendação da mudança de rumo, esse mea culpa está chegando bastante tarde.


O gênio está fora da garrafa e os poderes fáticos sequer tentam colocá-lo de volta. A absoluta hipocrisia, os interesses criados e a falta de visão lamentavelmente já se impuseram sobre a política.

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