quarta-feira, 25 de julho de 2018

Grajew: Empresários são míopes e estúpidos

Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no site Tutaméia:

Henry Ford defendia melhores salários para os operários porque queria que eles comprassem os carros que saiam de suas fábricas. Era o início do século 20, e o empreendedor enfrentou oposição de seus pares. Os empresários adversários de Ford eram “tão míopes e tão estúpidos quanto os empresários brasileiros de hoje”.

Quem faz a comparação é Oded Grajew, empreendedor social e ex-empresário, em entrevista ao Tutaméia. Ele explica:

“Em vez de olhar o Brasil com 200 milhões de habitantes, com um mercado interno potencial enorme, buscar desenvolver esse mercado interno, colocar renda na mão das pessoas, reduzir as desigualdades… Eles seriam os primeiros beneficiários. Matam a galinha dos ovos de ouro. Se aliam àqueles políticos que aumentam a desigualdade, não mudam o sistema, provocam a crise econômica. É uma burrice. Burrice tremenda”.

Aos 74 anos, Oded conhece o empresariado. Depois de cursar a Escola Politécnica da USP, nos anos 1970 ele fundou, com amigos, a Grow. A indústria de brinquedos inovou, trazendo jogos de tabuleiro que marcaram época, como o “War”. A vida de empresário o levou a participar de entidades do setor.

Crítico do desempenho dessas instituições, no final dos anos 1980 ele fundou o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que teve papel importante no debate pós-ditadura. Foi presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) e participou da criação do Instituo Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Qual a razão dessa guinada à direita - e até à extrema-direita - por parte dos empresários?

Primeiro, Oded vai ao passado: “A Fiesp era a grande apoiadora do regime militar, financiadora das torturas. Quando eu entrei lá como jovem empresário, era discutido abertamente o suborno a políticos, arrecadar dinheiro para subornar políticos”.

Ele lembra de um diretor da área de ambiente que considera a ecologia “uma coisa dos comunistas para acabar com o capitalismo; uma moda que já estava passando”.

Eles se lixam para as questões sociais, ambientais

Oded continua: “O que aconteceu é os empresários acabaram vendendo suas empresas. O empresariado nacional diminuiu bastante. As multinacionais não têm muito compromisso com o Brasil. É a lógica do mercado, de curto prazo. A grande maioria das empresas é gerida por executivos, com a pressão enorme para promover resultados. Tem a própria crise econômica, e as pessoas querem se agarrar à primeira possibilidade, estão se lixando para as questões sociais, ambientais. Estão mais interessados na questão econômica. Bolsonaro? Tanto faz o que ele fizer, desde que garanta as regras do mercado”.

Oded conta que tem falado com empresários sobre isso: “Eles dizem: ‘Tem razão’. Concordam, mas não fazem nada. Apresentam mil desculpas, dizem que precisam produzir resultado de curto prazo. É um estado cultural, mental muito retrógrado. É uma pena, porque é um setor muito poderoso”.

Empresário dá tiro no pé

Ele conta outro caso, para ilustrar a sua avaliação. Aconteceu na época de Fernando Collor. A Estrela era a maior fabricante de brinquedos do mercado; tinha quase 50%.

“O dono era Mario Adler, que colocou muito dinheiro na campanha do Collor. Eu falava para ele: ‘O Lula vai ser melhor. Quem vai comprar os brinquedos? O Collor já falou que vai abrir a economia para os chineses. Você está dando um tiro no pé’. Ele me disse não, colocou dinheiro [na campanha do Collor]. O que aconteceu? O Collor ganhou, abriu a economia, trouxe os chineses, e ele perdeu a Estrela. Vendeu, dando um tiro no próprio pé. Tem essa mentalidade”.

O empreendedor pondera: existem algumas lideranças, poucas, que pensam diferente. “As mudanças não virão pelo setor empresarial. É minha convicção. Virão do setor popular, da sociedade civil, da mobilização da sociedade”, afirma.

Idealizador do Fórum Social Mundial, Oded é hoje presidente do conselho deliberativo da Oxfam – Brasil. Foi assessor do presidente Lula em 2003. Mais recentemente, criou o movimento Nossa São Paulo, um observatório sobre políticas públicas.

Lula e Bolsonaro

Perguntamos a ele sobre as eleições:

“Não que eu esteja expressando a minha vontade, mas acho que há chance de o Lula ser candidato e de ele se eleger. As pessoas falam pouco. Acho difícil, mas não é impossível”.

E mais: “Infelizmente, no segundo turno, há uma grande chance de aparecer o Bolsonaro. Posso expressar minha enorme rejeição. É um sinal da doença, resultado da desigualdade, da desesperança em relação à política, da falta de credibilidade do sistema político, das instituições. Gente como Bolsonaro prospera exatamente nesse terreno, como prosperaram os ditadores, os fascistas, os nazistas. Eles se aproveitam do desespero das pessoas para mostrar soluções radicais, extremas, como se elas fossem capazes de resolver os problemas”.

Oded está hoje empenhado em uma campanha para mostrar a importância do voto no legislativo. “O Congresso nacional é mais importante que o presidente. Lá reside o poder. O MDB não está interessado na presidência, mas no Congresso. Não esperamos mudanças radicais no Congresso. Todas as estruturas que foram mantadas são para a manutenção do jeito que está: a campanha é menor, tem mais vantagem que é mais conhecido, os recursos públicos são divididos pela cúpula, pelo mesmo grupo político. Estamos tentando plantar mais para frente”.

E segue: “Mudando o governo, o governo precisa ter força política para mudar as estruturas. Fui assessor especial de Lula no primeiro ano. Minha grande ressalta é que as reformas não foram feitas, a tributária, a fiscal, a política, a trabalhista, a da previdência. As reformas que de fato mudariam o país para torná-lo mais justo não foram feitas. Quando teve o grande apoio na sociedade, não teve a coragem de confrontar e de tentar mesmo fazer essas reformas”.

Crianças não votam

A entrevista com Oded começa com uma avaliação do dado sobre o aumento da mortalidade infantil no país. “A mortalidade infantil impacta mais as famílias pobres do que as ricas. Não é igual para todo mundo. A marca brasileira é a das desigualdades, não só econômica. Não é uma fatalidade, isso tem causas”.

Para ele, o retrocesso é “resultado de políticas públicas que colocam recursos não para quem mais precisa, mas para quem tem mais força política. As crianças não votam e têm pouca força política. A representação no nosso sistema político não corresponde à composição da sociedade brasileira. Pobres não financiam campanhas políticas. Quem paga tem mais poder e coloca lá seus representantes que privilegiam seus interesses. O não financiamento empresarial é positivo, mas o financiamento púbico é drenado para os partidos políticos e quem decide aonde vão os recursos é a cúpula partidária. O recém-chegado tem pouca possibilidade de fazer campanha. Os partidos têm donos, com exceção de alguns. O que mais preocupa é que o nosso sistema atual está montado para acentuar e piorar mais ainda essa situação. Para que os recursos públicos sejam drenados para quem menos precisa. Exemplo é o sistema fiscal tributário que drena recursos dos pobres para colocar para os ricos. É um Robin Hood às avessas”.

Desigualdade, escravidão, ditadura, reviravolta

Para Oded, a questão de fundo é que o Brasil “ainda não chegou ao consenso de que as desigualdades são um mal terrível para a sociedade, para todos. Precisamos que isso vire um consenso, como foi o consenso pelo fim da ditadura militar, da escravidão”.

Nesse quadro, Oded diz ter um sentimento controverso:

“Estou triste com os retrocessos e também esperançoso de que os retrocessos possam esclarecer melhor a população de por que as coisas acontecem, dos sistemas que produzem esses retrocessos. Podemos caminhar para uma reviravolta, uma mudança. As pessoas parecem que chegam a um limite de não aceitação das coisas e percebem que as coisas não são fatais. As mudanças ocorrem quando a sociedade começa a perceber que as coisas não são normais, que têm que mudar”.

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