Para quem ainda questiona o fiasco da política econômica do Brasil sob o governo Jair Bolsonaro – e sob o receituário ultraliberal de Paulo Guedes –, a semana que se encerra foi farta de notícias emblemáticas. A cada informe do Banco Central (BC), crescia essa sensação de absoluta fragilidade econômica do País.
Na segunda-feira (14), saiu a nova edição do Boletim Focus, o relatório semanal elaborado pelo BC com base nas projeções do mercado financeiro. E os agentes do rentismo, sob o impacto do último reajuste abusivo dos combustíveis pela Petrobras, como a alta de 24,9% do diesel, foram unânimes: em 2022, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial do Brasil) deve ficar acima do previsto. Em uma semana, a média das previsões saltou de 5,65% para 6,45%.
As atenções se voltaram na quarta-feira (16) ao Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que, para surpresa de ninguém, voltou a elevar a Selic. De 10,75% ao ano, a taxa básica de juros passou a 11,75% – o maior patamar desde abril de 2017. Os tecnocratas do mercado já estimam que, devido à pressão inflacionária e à guerra na Ucrânia, o índice pode chegar a 13,25% neste ano.
Já a quinta-feira foi de anúncio do Índice de Atividade Econômica (IBC-BR), considerado a “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o BC, houve uma regressão de 0,99% na economia em janeiro deste ano, na comparação com o mês anterior (dezembro de 2021). O número reforça o pessimismo de instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional), que prevê crescimento risível 0,3% em 2022, mantendo o Brasil na longeva jornada entre estagnação e recessão.
Relacionando as notícias, fica claro como a incompetência de um presidente assumidamente leigo em macroeconomia, ao se somar à prepotência e aos desvarios de um ministro como Paulo Guedes, expôs os brasileiros a um pessimismo cada vez mais inevitável. Para piorar a situação do governo, Guedes é daqueles gestores dados a arroubos e factoides descolados da realidade.
Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro batizou o então responsável por seu programa econômico de “Posto Ipiranga”, dando-lhe liberdade quase irrestrita para dizer e desdizer o que bem entendesse sobre os rumos de um possível governo ultraliberal. Uma de suas máximas era “privatizar tudo” para acabar com a dívida fiscal e arrecadar até R$ 1 trilhão – uma espécie de número mágico e midiático, mais para impressionar do que para convencer.
“A pergunta é: vocês acham que está bom do jeito que está, com crescimento baixo, desemprego?”, provocava o guru de Bolsonaro, que ainda prometia, “em vez de combater a inflação só com juros na Lua, fazer a parte fiscal com juro baixo”. No dia em que Bolsonaro foi efetivamente eleito, Guedes anunciou o futuro governo zeraria, em apenas um ano, déficit primário do Brasil. “O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano”, sentenciou.
Apesar da reforma da Previdência e de uma e outra privatização, Guedes, é claro, não teve força política nem competência para viabilizar inteiramente seu plano desastroso para o Brasil. A resistência dos servidores públicos, com o apoio do movimento sindical e da oposição no Congresso, tem travado projetos como o da venda da Eletrobras e dos Correios, bem como a nefasta reforma administrativa contida na Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, a PEC 32.
Em 2019, no primeiro ano de governo Bolsonaro, o déficit fiscal primário– aquela conta que Guedes se comprometeu a zerar “com juro baixo” – foi de R$ 88,9 bilhões, conforme o Tesouro Nacional. No ano seguinte, com a crise sanitária e a negligência do governo, o prejuízo foi oito vezes maior: o Brasil registrou um déficit primário recorde de R$ 702,950 bilhões. E olha que essa cifra não inclui as despesas com o pagamento dos juros da dívida pública – que tragou do orçamento federal R$ 1,0 bilhão em 2019, R$ 1,3 bilhão em 2020 e R$ 1,9 bilhão em 2021.
Não veio crescimento, não vieram empregos. Em dezembro de 2018, no último mês do governo Temer, o Brasil tinha 12,2 milhões de trabalhadores desocupados (que procuram emprego, mas não encontram) e 4,7 milhões de desalentados (aqueles que desistiram de buscar por uma vaga no período). Faltava emprego, portanto, para 16,9 milhões de pessoas. Após três anos de governo Bolsonaro, ainda havia 12 milhões de desempregados e 5,3 milhões de desalentados, num total de 17,3 milhões de pessoas sem ocupação.
Curiosamente, de todas as promessas de Guedes, a única que parecia avançar celeremente, sem sobressaltos, era a redução da taxa básica de juros. A Selic – que estava em 6,5% no começo do governo Bolsonaro – começou a cair em julho de 2019 e chegou a 2% em agosto de 2020. Assim permaneceu, em seu menor patamar histórico, até março de 2021, numa raro dado promissor dessa gestão que não seguia a cartilha ultraliberal do ministro da Economia.
Mas a ilusão dos juros baixos sob a gestão Bolsonaro/Guedes logo se desfez. Omisso ante a carestia que assola os brasileiros com a disparada no preço dos alimentos e defensor da manutenção da política de preços da Petrobras, o governo pagou para ver (e viu!) uma inflação de dois dígitos. As altas acumuladas mês a mês – que levaram a um IPCA acumulado de 10,06% em 2021 – serviram de pretexto para o Copom elevar a Selic em cada nova reunião. A taxa encerrou o ano passado em 9,25% e já sofreu dois aumentos em 2022, até bater nos 11,75% atuais. Num ranking elaborado pelo portal MoneYou e pela gestora Infinity Asset Management, o Brasil é o novo líder mundial em juros reais.
Esse estouro coincidiu com o período pós-sanção, em 24 de fevereiro de 2021, da Lei da Independência do Banco Central, que transformou o BC num órgão desvinculado do Poder Público – um “supra órgão”. Alheio à conjuntura política e às agruras do povo brasileiro, o BC, por meio do Copom, reforçou ainda mais seu compromisso com o setor rentista. Foram nove elevações consecutivas da Selic desde a “autonomia plena”. A cada ponto a mais na Selic, a dívida pública bruta cresce, por ano, R$ 32,2 bilhões.
“O Banco Central fez um contorcionismo para justificar uma decisão que eles já tinham em mente, que era aumentar os juros em um ponto percentual”, denunciou, em entrevista ao Hora do Povo, o economista José Luis Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB. “Se você está com uma inflação que resulta de um choque de oferta, quando você eleva os juros você amplifica o choque sobre o nível de produto e emprego. Isto é macroeconomia elementar.”
Entre as perguntas de um trabalhador que lê o noticiário desta era Bolsonaro, caberia devolver o questionamento do próprio Guedes: “Vocês realmente acham que está bom do jeito que está, com crescimento baixo, desemprego?”. Ainda que possa ajudar a combater a inflação – o que, por ora, não está ocorrendo –, a Selic em alta desestimula empréstimos e investimentos, inibe o crescimento, desacelera a economia e tende a gerar desemprego.
Como estamos a sete meses da eleição, restou a Bolsonaro apelar a um conjunto de medidas paliativas que, anunciadas nesta quinta-feira (17), receberam o título de Programa Renda e Oportunidade. O governo fala em “pacotes de bondades”. Mas a crise econômica do Brasil vai se agravar porque não há nada à vista que se contraponha efetivamente ao longo e volumoso “pacote de maldades”, que envolve inflação, desemprego e juros altos. A maior bondade que Bolsonaro pode conceder aos brasileiros é encerrar seu mandato o mais breve possível!
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