segunda-feira, 5 de junho de 2023

Brasil não pode se curvar diante das big techs

Charge: David Parkins
Por Tatiana Carlotti, no site do Fórum-21:


Promovido pelo Centro de Mídia Barão de Itararé, com apoio do governo da Bahia, o seminário Os desafios da comunicação numa era de desinformação e ataques à democracia, ocorrido entre os dias 1 e 2 de junho, no Centro Operações Integradas (COI) do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador, contou com a presença do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT-BA) e do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta.

A abertura contou com mediação de Altamiro Borges do Barão de Itararé e, na sequência, Ivanilda Brito (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) mediou o debate Conjuntura e a luta de ideias na sociedade, com a participação do ministro-chefe da Secom e dos jornalistas Cynara Menezes (Socialista Morena), Laurindo Lalo Leal Filho (ABI, Barão de Itararé) e Leandro Fortes (DCM).

Abrindo os trabalhos, o governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA) apresentou o seminário como “uma reação contra o que vivenciamos nos últimos oito anos”. Um evento que “anima e puxa para o campo da esquerda, em termos de projetos”. Duas ações, aliás, ganharam destaque em sua apresentação: o programa Jovens Comunicadores do Semiárido, apresentado e recomendado por uma de suas jovens comunicadoras, a graduanda em jornalismo e cordelista Roseane Pereira, também primeira de sua família a entrar numa universidade; e a excelência da TV Educativa da Bahia, sobre a qual o governador deu seu testemunho.

“Quando a gente tem a autonomia de pensar uma televisão que diz as coisas que entendemos como projeto de sociedade… Ligar a TVE, a nossa TVE, e ver uma programação cultural… Nós não estávamos acostumados com isso”, comenta ao observar que, mesmo com a presença de um conteúdo educativo e cultural, é forte a tendência das pessoas de buscar a violência e o sensacionalismo, em “canais que mostram sangue e conteúdo que nada contribui para a formação cultural do povo”. Nestes casos, é necessário “um filtro mais forte” que só existe “em um povo, quando esse povo tem uma formação educacional e cultural diferenciada. Então, a mensagem que fica num seminário como este é a responsabilidade nossa”.

Democracia é comida na mesa

Lamentando a saída do Brasil do Mapa da Fome, ele lembrou que 33 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar grave. “Eu entendo o conceito de democracia da forma como aprendi na roça onde eu nasci. Não precisa de palavras difíceis. Democracia é comida na mesa, é dinheiro no bolso, é uma casa digna, é poder fazer a leitura dos livros. É poder ter uma comunicação autônoma e soberana”. E mais: “Democracia é a gente ter mulher na política. Ter negros e negras ocupando espaços de rádio e televisão. Ter índios governando o estado. Não tem dificuldade nisso. O Brasil voltou. E quando a gente fala que o Brasil voltou, não é apenas um presidente que se senta na cadeira, é um projeto que se reestabelece no nosso país”.

Após passar pela Covid-19, atuando como secretário de Educação da Bahia, enfrentando o descaso do governo anterior em meio a pandemia, quando “sequer os ministros da educação e da saúde sentaram com os representantes do governo para achar uma saída, Rodrigues enumera as três visitas do ministro Pimenta e concluiu. “Agora a gente se sente amparado”. Por fim, ele reiterou o compromisso de sua gestão com o fortalecimento dos meios de comunicação “para que a verdade seja estabelecida e a comunicação vença a desinformação”. Inclusive, um exemplo de política de cooperação entre os poderes se deu no acordo firmado entre os presidentes da Empresa Brasil de Comunicação, Hélio Doyle, e da TV Educativa da Bahia (TVE), Flávio Gonçalves da TV Educativa (TVE).

Com o acordo, a Bahia vai expandir o sinal da TVE e da TV Educa Bahia para mais de 116 municípios. “Mais de dois milhões de baianos terão acesso a mais importante experiencia de comunicação pública no Brasil”, comemora o ministro Paulo Pimenta (Secom), que trouxe um panorama das recentes transformações tecnológicas, partindo das especificidades desse processo no Brasil, inclusive, defendendo a regulamentação das plataformas digitais.

“Nós não podemos nos curvar, em hipótese alguma, ao modelo de negócios das grandes plataformas de big techs no mundo”, afirmou ao lembrar que “quando Lula foi presidente não havia WhatsApp, Telegram, YouTube, Instagram, Facebook. O máximo que o presidente Lula chegou a pegar foi o finzinho do Orkut”. O mesmo acontece em relação ao Marco Civil da Internet. Quando ele foi idealizado (em 2007) e aprovado (2014), as big techs ainda não usavam o atual modelo de impulsionamento e monetização, tampouco detinham a imensa capacidade de controle, segmentação e invasão da privacidade identificada hoje. “Há plataformas que dominam 99% das buscas de informação e que detêm todas as informações a respeito de qualquer um de nós”, apontou o ministro.

Daí a importância “vital” do PL 2630 que, em sintonia com os países da Comunidade Europeia, Canadá, Austrália, também em busca de suas próprias regulações. Nesses países, ironiza Pimenta, “ninguém acharia que este é um debate sobre a censura” como dizem por aqui. “A maneira como a informação está presente e vem sendo controlada é um fenômeno [sobre o qual] o mundo inteiro vem se debruçando”. Nesse sentido, o Brasil “não pode ser um lugar onde a imprensa se torna um modelo de negócios das grandes plataformas”, aponta.

Ao mostrar as pesquisas de aprovação e reprovação do governo, acompanhe o gráfico, o ministro aponta que Lula foi eleito com 39% dos votos possíveis contra o adversário que obteve 37% dos votos. Uma diferença pequena de 1,8% (“a menor numa eleição desde a redemocratização”). Além disso, 24% da população não participou do processo eleitoral (brancos, nulos e abstenções)”. Em termos de segmentos sociais, “Lula só ganhou a eleição entre os que têm no máximo o ensino fundamental, e ganham no máximo dois salários-mínimos. Nós perdemos nos demais setores da sociedade. O pior desempenho foi entre os que ganham de 3 a 5 salários-mínimos e contam com ensino médio completo ou incompleto”, analisou.

O gráfico mostra, também, uma expressiva queda no apoio ao bolsonarismo depois dos ataques golpistas de 8 de Janeiro. Segundo Pimenta, “um dos fatos políticos que alterou a percepção das pessoas no Brasil, levando uma parte significativa, em torno de 20% dos eleitores do adversário que tinham uma posição calcificada em relação a nós, a se abrirem para conversar”. Em sua avaliação, trata-se de pregar sim para convertidos para manter a base, mas também ampliá-la, afinal se num primeiro momento “o desafio foi mostrar ao país e ao mundo que o Brasil voltou”. Agora, precisamos dialogar com “os 55% que avaliam o governo como regular e querem conversar conosco”.

Nesse sentido, a Comunicação terá um papel fundamental se conjugada com a devolução de direitos e o aperfeiçoamento das políticas públicas que restaram, aponta. Um bom exemplo é “Luz Para Todos” que, segundo o ministro, deveria se transformar em uma “Internet para todos”, ou seja, “uma política de democratização do acesso às redes. Esse é o segundo passo”, acenou.

Uma luta de 50 anos

Conselheiro da ABI e membro da coordenação do Barão de Itararé, Laurindo Lalo Leal Filho trouxe várias contribuições para o fortalecimento da luta pela democratização da comunicação. “Uma luta histórica” que “infelizmente, ao longo desses 50 anos, avançou pouco. Ainda somos dominados por uma mídia oligárquica, patronal e atrelada a interesses nacionais e internacionais que fazem a cabeça do povo brasileiro”, avaliou.

Apontando a indiscutível importância de debatermos as plataformas neste momento, Lalo não abriu mão em defender um debate sobre a questão da radiodifusão e da mídia oligárquica que continua sendo a principal fonte de informação política dos brasileiros”. Em sua avaliação, é preciso pensar simultaneamente a regulação das plataformas e a regulação desses veículos de rádio e televisão, que como “concessões públicas, outorgadas pelo Estado brasileiro para particulares, têm a obrigação de prestar contas à sociedade”. Lalo aproveitou para questionar se alguém da plateia sabia o período de uma concessão pública dessa ordem. Conforme reza a Constituição, o tempo de concessão pública para a televisão é de quinze anos, e para as rádios, dez anos. “Ao final desse período, a concessão, um serviço público, tem que ser escrutinada pela sociedade. Cumpriu o acordo, tudo bem. Não cumpriu, não renova e abre nova concessão”, detalha.

Outro desafio é “como fazer a relação entre a política pública e o entendimento da sociedade e do cidadão de que essa política pública é de um governo democrático e popular?” Lalo recorda vários casos em que as pessoas atribuíam a ascensão social “a Deus” ou ao próprio mérito. “Há um descompasso entre a política pública e a clareza da população de que aquele benefício e melhoria da condição de vida veio dessa política pública. Precisamos de uma comunicação que enfrente esse problema ou estaremos sempre na mesma dificuldade”.

Batalha de ideias assimétrica

“Nós estamos em uma batalha de ideias assimétrica”, aponta Lalo. De um lado dessa batalha, estão os meios de comunicação, as plataformas e as empresas de radiodifusão, jornais poderosíssimos e unificados ideologicamente. Do outro, o contraponto realizada pelos blogues, sites e tentativas de repostas fragmentadas. De um lado, a concentração forte em torno das mesmas ideias. Do outro, uma dispersão grande. Uma tensão (concentração vs. dispersão) que marca a guerra híbrida no Brasil caracterizada menos por uma falta de meios e mais por uma ausência de articulação.

“Esses que estão dispersos precisam, de alguma forma, buscar algum tipo de articulação que os concentre e lhes dê condições de enfrentamento no mínimo semelhantes às condições dos que detêm a concentração dos meios”. Segundo Lalo, existem hoje no país, 496 emissoras públicas, 45 emissoras universitárias, 93 legislativas, 218 educativas e culturais. “Isso de forma articulada pode ser uma boa resposta nessa batalha e permitir um enfrentamento maior”, aponta. Ele também destacou o potencial da EBC de permitir que se deslanche um Sistema Público Nacional de Comunicação “capaz de integrar todas essas emissoras acima citadas com suas duas televisões e sete emissoras de rádio. É um potencial histórico-cultural que pode alavancar essa rede”.

Por fim, e após elencar “a produção, a emissão, o acompanhamento sistemático e a prontidão” como etapas aos que estão nesta trincheira, Lalo recomenda fortemente ao governo federal que “responda tudo” e “não deixe passar nada” para mostrar que “nós, deste lado da trincheira, não tememos o outro lado. Mentiu. Responde".

Verdade tem alcance muito menor do que a mentira

E em meio às fake news, prontidão é o que não falta à jornalista Cynara Menezes (Socialista Morena) que observa que contrariamente ao esperado pela esquerda, a batalha de conscientização não está acontecendo via texto, mas sim por meio do vídeo e de outros recursos, o que significou, na prática, uma maior alcance. “O que se viu nos últimos anos foi a chagada das lives que alcançaram muito mais gente”. Por outro lado, “os algoritmos não nos favorecem e não nos favorecerão”.

Cynara explica que um conteúdo mentiroso e sensacionalista corre com mais facilidade pela rede do que um conteúdo verdadeiro. “Esse é o grande desafio que a gente tem. A verdade tem um alcance muito menor que do que a mentira. Conteúdos sensacionalistas e mentirosos provocam mais engajamento nas pessoas”. Ao mesmo tempo, as empresas de publicidade querem esses engajamentos, portanto, não estão nem aí quanto ao conteúdo, desde que tragam consumidores e clientes a suas plataformas.

Ela também mencionou a importância das rádios, observando que ao contrário dos motoristas de Uber de São Paulo, os da Bahia ouvem música e não a rádio Jovem Pan. No último dia 21, detalhou a jornalista, a TV Jovem Pan (a cabo) ultrapassou a audiência da Globonews e da CNN veiculando uma notícia falsa onde afirmava “que o ministro Flavio Dino (Justiça) pretendia tirar o PCC da Amazônia para colocar o Comando Vermelho. Uma mentira absoluta” e perigosa.

Cynara também destacou o desafio da formação das bolhas. “Como furar a bolha se o negócio é desenhado para a gente viver na bolha?” questionou ao mencionar, inclusive, estudos recentes que indicam um cansaço das pessoas em relação às redes sociais. “Ninguém entra para pegar o número de amigos, elas entrar para se informar ou para linchar as pessoas publicamente (…) Esse é o comportamento que mais agrega as pessoas. Uma coisa medieval, destacou”. .

E a luta de classes?

Por fim, o jornalista e escritor Leandro Fortes (DCM), na última e não menos importante palestra da noite, trouxe com força a questão da luta de classes e da comunicação, pontuando que toda discussão sobre comunicação não tem validade se não analisada a partir do método do materialismo histórico e da discussão dialética da comunicação. “A gente fica enxugando gelo ao discutir modelos de comunicação, mas esses modelos falharam miseravelmente. No dia seguinte ao golpe de 2016, toda a estrutura montada pelos governos populares, em todos os setores, foi desmontada imediatamente, sem que houvesse nenhum pilar ou força estrutural que pudessem mantê-las como resistência”, lembrou.

Segundo o jornalista, a luta que precisa ser travada não é, exatamente, uma luta contra a desinformação, mas a luta contra as classes dirigentes no Brasil, “a burguesia nacional (no sentido marxista), ou melhor, a burguesia interna, um conceito derivado da burguesia nacional, porque a nossa burguesia é tão desgraçada e miserável que não tem nenhum interesse nas causas sociais. Chamá-la de burguesia nacional chega a ser um falso elogio”, ironiza. É essa burguesia interna que controlará os meios de produção. “É o capitalismo financeiro e não as famílias que dominam as mídias tradicionais no Brasil. O sistema financeiro tem um poder que vai muito além da questão da comunicação no Brasil. Eles não estão interessados nisso, mas sim no negócio e no funcionamento desse negócio”, detalha.

Defendendo o uso do léxico revolucionário e a postura dos que estão em meio à guerra, Fortes acena para as relações entre o fascismo e o capitalismo financeiro. “Não foi à toa que depois de 2016, houve uma construção ideológica que gestou Jair Bolsonaro em 2018. Todos sabemos pela História que o fascismo é o botão de emergência do capitalismo. Quando há uma degradação no sistema, ou perigo dele ser aviltado, quando minimamente os interesses capitalistas são tocados pelos interesses populares, como dizia Rosa Luxemburgo, a burguesia entra imediatamente em uma luta de vida e morte”. E neste sentido, ele faz uma contundente defesa de que o Estado brasileiro seja o indutor dessa guerra construindo as pontes, os campos de batalha e os porta-aviões para a gente fazer o combate”.

Até porque, como é sabido, do lado de lá, estão “os bancos e as empresas transnacionais que financiam golpes contra democracias, lava-jatos, sequestros…”.

Clique no link e assista às mesas do seminário:

Conjuntura e luta de ideias na sociedade

Jerônimo Rodrigues, Paulo Pimenta, Cynara Menezes, Leandro Fortes e Laurindo Lalo Leal Filho
Confira em https://www.youtube.com/watch?v=sZDZU6NCxK4

Redes digitais, fake news e a regulação das plataformas

Nina Santos, João Brant e Orlando Silva
Confira em https://www.youtube.com/watch?v=e3CeYijx-4w

As prioridades da comunicação pública

Guia Dantas, André Curvello e Hélio Doyle
Confira em https://www.youtube.com/watch?v=SEo7kLFuXOg

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