segunda-feira, 5 de junho de 2023

Remédio contra o ambiente digital insalubre

Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé:

Se há 15 anos a Internet era uma promessa de um espaço democrático com ampla liberdade de expressão para grupos historicamente silenciados e oprimidos, em 2023 a realidade é diferente. Os abusos e a falta de transparência das plataformas digitais - as chamadas big techs - causaram estragos às democracias e à sociedade e, por isso, o debate sobre a regulação do setor ganhou força no mundo todo.

A reflexão deu a tônica de debate ocorrido nesta sexta-feira (2), em Salvador/BA, parte do Seminário ‘Os desafios da comunicação numa era de desinformação e ataques à democracia’, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

“Pouco tempo atrás, o movimento pela democratização dos meios de comunicação era vigoroso e com uma pauta firme, muito voltada a combater a concentração midiática no Brasil. De repente, surgem as mídias digitais”, explica Nina Santos, coordenadora do *desinformante, pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e diretora da Aláfia Lab.

“Ali, em 2010, pensávamos: vários grupos oprimidos terão voz e conseguirão expressar suas ideias. De fato, ocorreram vários movimentos, como os Indignados, na Espanha; Occupy Wall Street, nos Estados Unidos; e mesmo as jornadas de junho de 2013, no Brasil”, recorda. “Hoje, a percepção é outra. Vemos uma série de problemas nesse ambiente - especialmente as fake news”.

Segundo a pesquisadora, essas plataformas converteram-se em espaços essenciais do debate público. “Não há debate público, hoje, sem elas. Por isso a importância de pensar a regulação. Não se trata de criar regras por elas não existirem. Feliz e infelizmente, a realidade é que regras já existem - regras de transparência, moderação de conteúdo e o que vale ou não vale no debate público”, avalia. “O problema é que essas regras são privadas, opacas, decididas e praticadas (ou não) longe dos olhos públicos”.

Por isso, a tentativa de regular as plataformas, como na iniciativa do Projeto de Lei 2630/2020 (o chamado “PL das Fake News”), é fazer com que essas regras passem pelo debate público. “Se alguém tem que definir o que vale ou não no debate público digital, esse alguém tem de ser a sociedade. Regulação é um espaço para avançarmos rumo a um espaço digital mais democrática, plural e diverso, um espaço de garantia e construção de direitos”.

Para João Brant, Secretário de Políticas Digitais da SECOM/Presidência da República do Brasil, não se trata de uma cruzada contra as redes sociais. “A crítica que fazemos às plataformas pelo que estão entregando não deixa de reconhecer o valor que elas têm. Nós queremos continuar usando as ferramentas, mas com um ambiente saudável”.

Membro do Conselho Consultivo do Barão de Itararé, Brant lembra, assim como Nina, que a Internet mudou bastante de 2010 para a atualidade. “Na fundação do Barão de Itararé, foi muito boa a ideia de reunir quem estava produzindo comunicação na Internet, articulando redes nessa luta”, diz.

Esse tempo, segundo ele, passou. Não dá pra voltar a uma era anterior às plataformas e aos problemas que elas suscitaram na sociedade. “Mas o que dá para fazer e é nosso papel é dizer às plataformas: Tik Tok, Instagram, Twitter, vocês vão seguir a vida e continuar no mercado, mas vocês terão, também, de proteger a sociedade brasileira. Vocês vão, também, atuar de forma a impedir a difusão de conteúdo ilegal”.

“A lógica do dever de cuidado é você ter uma série de obrigações, sendo a maior delas preventivas, para que se crie um ambiente saudável de debate público”, explica. “E isso diminui a desinformação, diminui a circulação de conteúdo ilegal e o impacto negativo das redes”. "A desinformação", segundo Brant, "é lucrativa porque sua adesão é muito mais fácil do que o debate democrático".

A disputa pelo PL 2630

Relator do PL 2630, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defende que a proposta gira em torno de três pilares: a defesa da liberdade de expressão; a mudança do regime de responsabilidade das empresas; e o estabelecimento de regras de transparência, para que a sociedade possa acompanhar como se dá esse serviço oferecido pelas plataformas.

“A responsabilidade é um dos pilares do PL. Estabelecer um regime de responsabilidade para essas empresas. Me parece que manter o atual modelo - de só serem responsabilizadas se não cumprirem ordem judicial - ficou um pouco pra trás”, opina. “Liberdade de expressão não é só o direito de falar. Você tem de ser ouvido. Não há liberdade de expressão plena sem a livre circulação de ideias, que é determinada, hoje, por algoritmos muito poucos transparentes”.

A votação do PL, que tramita há três anos, foi adiada no dia 2 de maio, após campanha criminosa de big techs como a Google, que fez propaganda abusiva e ingerencista sobre a tentativa brasileira de construir uma legislação para o tema - o debate já está avançado em outras partes do mundo, como na Europa.

“Os bolsonaristas ficam enlouquecidos quando falam do PL 2630 pois, para eles, é essencial manter a Internet como está, com a facilidade absurda de difundir desinformação”, denuncia Silva. “Grupos econômicos também se beneficiam dessa ausência de regulação para influenciar o debate público no Brasil a partir do impulsionamento, abusando do poder econômico. Isso sem contar a disseminação de discurso de ódio e conteúdos violentos por grupos obsurantistas, como vimos na explosão de casos de violência nas escolas brasileiras em abril deste ano”.

“Se as plataformas fogem desse debate essencial para a democracia e para a proteção da infância, da adolescência e da vida humana, é por que elas querem continuar faturando alto com a difusão de desinformação, de discurso de ódio e de estímulo à violência”, sublinha o deputado. “É uma lei que se aplica a empresas que têm acima de 10 milhões de usuários no Brasil, a fim de proteger start-ups e empresas entrantes no mercado brasileiro”.

Sobre o Seminário

Nos dias 1 e 2 de junho, Salvador/BA recebe o Seminário Os desafios da comunicação numa era de desinformação e ataques à democracia, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. 100% gratuito, o evento tem como proposta discutir a conjuntura política atual do país, as ameaças à democracia e os desafios colocados no campo da comunicação: o combate à desinformação, a necessidade da regulação das plataformas, comunicação pública, entre outros. O Seminário conta com o apoio do Governo do Estado da Bahia.

O Barão de Itararé atua há 13 anos na luta pela democratização da comunicação no Brasil, promovendo cursos, debates e seminários de formação, formulação e reflexão sobre diversos temas como o fortalecimento das mídias independentes, a comunicação pública e a defesa da comunicação como um direito humano. Após quatro anos de escalada da violência contra jornalistas e de ataques à liberdade de imprensa e de expressão, é hora de discutir experiências e estratégias para uma mídia mais diversa e plural e a defesa da própria democracia em um Brasil ainda conflagrado.

Programação

• 01/06 – quinta-feira, às 18h – Conjuntura e luta de ideias na sociedade

Cynara Menezes – jornalista e editora do blog Socialista Morena
Leandro Fortes – jornalista, professor e escritor
Laurindo Lalo Leal Filho – coordenação do Barão de Itararé

• 02/06 – sexta-feira, às 9h – Redes digitais, fake news e a regulação das plataformas

Nina Santos – Coordenadora do *desinformante, pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e diretora da Aláfia Lab
João Brant – Secretário de Políticas Digitais da SECOM/Presidência da República do Brasil.
Orlando Silva - deputado e relator da PL das fake news (PL 2630)

• 02/06 – sexta-feira, às 14 horas – As prioridades da comunicação pública

Guia Dantas – Assessora Especial de Comunicação do Rio Grande do Norte
André Curvello – Secretário de Comunicação da Bahia
Hélio Doyle – presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

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