Por Venício A . de Lima, no Observatório da Imprensa:
Cinco meses se passaram desde o segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Os votos foram apurados, o Tribunal Superior Eleitoral declarou um vencedor que tomou posse e assumiu o poder em 1º de janeiro de 2015. Apesar de tudo isso, a sensação que se tem ao se ler, ouvir ou assistir ao noticiário político dominante nos oligopólios privados de mídia é de que permanecemos em campanha eleitoral, estamos às vésperas de um “terceiro turno”.
A instrumentalização partidária oposicionista reafirma, dia após dia, que vivemos o pior de todos os mundos e que a culpa por “tudo que está aí” recai exclusivamente na presidente da República reeleita e em seu partido. E que ainda vai piorar. E muito.
Em relação aos estados onde houve vitória da oposição política – se o exemplo do Distrito Federal puder ser generalizado – os problemas de hoje, mesmo se decorrentes do excesso de chuva que acaba de despencar, continuam sendo atribuídos exclusivamente aos descalabros do derrotado governo anterior, aliás, do mesmo partido da presidente reeleita.
Esse jornalismo do “quanto pior melhor” – sempre assentado na historicamente falsa retórica de combate à corrupção e de defesa da democracia – acaba por contaminar até mesmo mentes supostamente esclarecidas. Elas se recusam a “pensar para além” do noticiário partidarizado e, sem ignorar a gravidade da crise econômica e dos diversos inquéritos sobre corrupção em andamento (Lava Jato e Zelotes, dentre outros), ignoram os fartos indícios do jogo de interesses que está sendo jogado nos e pelos oligopólios de mídia.
Linguagem pública dominante
Raras vezes terão os oligopólios de mídia e seus muitos “intelectuais deferentes” (Bourdieu) praticado de forma tão homogênea a mesma pauta, o mesmo enquadramento, seletividade e omissão em relação aos fatos a serem noticiados e a mesma linguagem pública. Tudo sem o contraditório, sem vozes alternativas.
Ao contrário de outras eleições, agora não foram desativados os aparatos profissionais de guerrilha digital utilizados contra o governo e seus aliados ao longo da campanha eleitoral de 2014. Assim, “robôs” [cinquenta?] de alto custo [estimativa de 10 milhões entre novembro e março] continuam alimentando permanentemente com conteúdos de intolerância e ódio as redes sociais virtuais.
Da mesma forma, na grande mídia e nas redes sociais vem sendo construída, dia após dia, uma linguagem pública que associa a presidente, seu governo e seu partido como agentes históricos exclusivos da corrupção brasileira. Essa linguagem converge com a radicalização dos movimentos de rua cuja liderança, aparentemente espontânea, não consegue mais disfarçar a existência de pelo menos uma coordenação estratégica originária no núcleo pensante da oposição partidária.
Derrotada nas eleições presidenciais, ameaçada na exclusividade do seu paraíso consumista e amparada no moralismo udenista histórico, a classe média elitizada dos principais centros urbanos “coloca tudo no mesmo saco” e – com o entusiasmo explícito da mídia comercial – sai às ruas para se manifestar contra a corrupção, contra o PT, a favor do impeachment. E mais. Para o pesadelo daqueles que viveram os meses e dias que antecederam ao golpe civil-militar de 1964 – se apropria do verde e amarelo para fazer renascer slogans do tempo da Guerra Fria como “o Brasil jamais será vermelho”, para mandar os eleitores vencedores para “a Cuba que os pariu”, para dar um basta na “doutrinação marxista” de Paulo Freire e para pedir a volta dos militares.
A linguagem pública que se consolida, de forma seletiva e cínica, entende como prova de corrupção até mesmo o que não passa da mais simples normalidade democrática como, por exemplo, a indicação de um novo ministro ligado ao partido que venceu as eleições. Na verdade, como afirmou Bernardo Kucinski, “o golpe no plano ideológico-midiático, já foi dado e foi vitorioso. A esquerda ‘morreu’ da forma mais ignominiosa possível, acusada de venal e corrupta”.
“Justos e corretos”
E por que não há uma narrativa pública alternativa, por que não se ouvem no espaço público vozes que reconheçam eventuais erros, respondam a acusações infundadas e reajam à tática kafkiana de se buscar o crime depois de decidida a sentença? Sobretudo, por que não há uma narrativa pública alternativa que, para além de governos e partidos, defenda o processo democrático contra ameaças golpistas e combata a incrível amnésia daqueles que pedem a volta da ditadura?
A resposta óbvia a esta pergunta é porque os oligopólios privados de mídia controlam a agenda e o acesso ao debate público. E eles jamais foram, não são e nunca serão plurais e diversos. Mas não se trata apenas disso.
Na verdade, quem primeiro deveria estar interessado na construção de uma narrativa pública alternativa seria o governo reeleito e seus partidos aliados. Também os movimentos sociais e sindicatos que defendem o projeto que garantiu o sucesso de políticas de inclusão social. Todavia, a mídia estatal (NBR) e pública (EBC), os blogs, portais e redes sociais, a mídia comunitária e sindical, todos em conjunto, não são capazes de construir uma narrativa pública alternativa.
No que se refere ao governo, falta apoio e comprometimento com a mídia pública para que ela, como reza a Constituição (artigo 223) e a exemplo do que ocorre em outras democracias, se constitua em complemento e alternativa de qualidade à mídia privada comercial.
Por outro lado, há uma secretaria que trata especificamente da comunicação, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Cabe a ela coordenar a divulgação de informação pública e também a distribuição dos recursos da publicidade oficial.
O grande paradoxo, todavia, é que os critérios técnicos utilizados para distribuição das verbas oficiais de publicidade têm financiado e consolidado, ao longo dos anos, exatamente os oligopólios de mídia que constroem a linguagem pública dominante, sem pluralidade e sem diversidade.
Na verdade, uma Instrução Normativa publicada no Diário Oficial da União às vésperas do Natal de 2014, tornou ainda mais rigorosos os critérios técnicos já em vigor e praticamente exclui as pequenas empresas de mídia da distribuição das verbas oficiais de publicidade (cf. Instrução Normativa nº 7, de 19 de dezembro de 2014, publicada no DOU de 23 de dezembro de 2014).
Na posse do novo ministro da Secom-PR, na terça-feira (31/3), a presidente da República, além de renovar seu compromisso constitucional com as liberdades de expressão e da imprensa, fez referencia a atuação da Secom-PR dentro do que chamou de “critérios justos e corretos”. Como não se sabe exatamente o que “justos e corretos” virão a significar na prática da execução das políticas de comunicação social, resta esperar para ver.
O papel do Estado e os riscos da crítica
Nas democracias contemporâneas, o apoio financeiro do Estado às empresas alternativas de mídia é praticado em nome da diversidade e da pluralidade sem as quais a liberdade de expressão, como bem sabemos, se transforma em privilégio de uns poucos oligopólios.
Se não houver apoio do Estado brasileiro à mídia pública e comunitária, se não se alterar a política de distribuição dos recursos de publicidade oficial e se, como manda a Constituição de 1988, não se regular o § 5º do artigo 220 que proíbe monopólios e oligopólios nos meios de comunicação social, jamais teremos uma linguagem alternativa àquela dos oligopólios de mídia no espaço público.
Em períodos de crise política, intolerância, ódio e falsas unanimidades, a postura crítica em relação aos oligopólios de mídia significa correr o risco de ser acusado de partidarismo e/ou de ignorar a crise e/ou, ainda, de defender “o controle da mídia para impedi-la de denunciar a corrupção do governo”.
A hora exige que se corra este risco.
A instrumentalização partidária oposicionista reafirma, dia após dia, que vivemos o pior de todos os mundos e que a culpa por “tudo que está aí” recai exclusivamente na presidente da República reeleita e em seu partido. E que ainda vai piorar. E muito.
Em relação aos estados onde houve vitória da oposição política – se o exemplo do Distrito Federal puder ser generalizado – os problemas de hoje, mesmo se decorrentes do excesso de chuva que acaba de despencar, continuam sendo atribuídos exclusivamente aos descalabros do derrotado governo anterior, aliás, do mesmo partido da presidente reeleita.
Esse jornalismo do “quanto pior melhor” – sempre assentado na historicamente falsa retórica de combate à corrupção e de defesa da democracia – acaba por contaminar até mesmo mentes supostamente esclarecidas. Elas se recusam a “pensar para além” do noticiário partidarizado e, sem ignorar a gravidade da crise econômica e dos diversos inquéritos sobre corrupção em andamento (Lava Jato e Zelotes, dentre outros), ignoram os fartos indícios do jogo de interesses que está sendo jogado nos e pelos oligopólios de mídia.
Linguagem pública dominante
Raras vezes terão os oligopólios de mídia e seus muitos “intelectuais deferentes” (Bourdieu) praticado de forma tão homogênea a mesma pauta, o mesmo enquadramento, seletividade e omissão em relação aos fatos a serem noticiados e a mesma linguagem pública. Tudo sem o contraditório, sem vozes alternativas.
Ao contrário de outras eleições, agora não foram desativados os aparatos profissionais de guerrilha digital utilizados contra o governo e seus aliados ao longo da campanha eleitoral de 2014. Assim, “robôs” [cinquenta?] de alto custo [estimativa de 10 milhões entre novembro e março] continuam alimentando permanentemente com conteúdos de intolerância e ódio as redes sociais virtuais.
Da mesma forma, na grande mídia e nas redes sociais vem sendo construída, dia após dia, uma linguagem pública que associa a presidente, seu governo e seu partido como agentes históricos exclusivos da corrupção brasileira. Essa linguagem converge com a radicalização dos movimentos de rua cuja liderança, aparentemente espontânea, não consegue mais disfarçar a existência de pelo menos uma coordenação estratégica originária no núcleo pensante da oposição partidária.
Derrotada nas eleições presidenciais, ameaçada na exclusividade do seu paraíso consumista e amparada no moralismo udenista histórico, a classe média elitizada dos principais centros urbanos “coloca tudo no mesmo saco” e – com o entusiasmo explícito da mídia comercial – sai às ruas para se manifestar contra a corrupção, contra o PT, a favor do impeachment. E mais. Para o pesadelo daqueles que viveram os meses e dias que antecederam ao golpe civil-militar de 1964 – se apropria do verde e amarelo para fazer renascer slogans do tempo da Guerra Fria como “o Brasil jamais será vermelho”, para mandar os eleitores vencedores para “a Cuba que os pariu”, para dar um basta na “doutrinação marxista” de Paulo Freire e para pedir a volta dos militares.
A linguagem pública que se consolida, de forma seletiva e cínica, entende como prova de corrupção até mesmo o que não passa da mais simples normalidade democrática como, por exemplo, a indicação de um novo ministro ligado ao partido que venceu as eleições. Na verdade, como afirmou Bernardo Kucinski, “o golpe no plano ideológico-midiático, já foi dado e foi vitorioso. A esquerda ‘morreu’ da forma mais ignominiosa possível, acusada de venal e corrupta”.
“Justos e corretos”
E por que não há uma narrativa pública alternativa, por que não se ouvem no espaço público vozes que reconheçam eventuais erros, respondam a acusações infundadas e reajam à tática kafkiana de se buscar o crime depois de decidida a sentença? Sobretudo, por que não há uma narrativa pública alternativa que, para além de governos e partidos, defenda o processo democrático contra ameaças golpistas e combata a incrível amnésia daqueles que pedem a volta da ditadura?
A resposta óbvia a esta pergunta é porque os oligopólios privados de mídia controlam a agenda e o acesso ao debate público. E eles jamais foram, não são e nunca serão plurais e diversos. Mas não se trata apenas disso.
Na verdade, quem primeiro deveria estar interessado na construção de uma narrativa pública alternativa seria o governo reeleito e seus partidos aliados. Também os movimentos sociais e sindicatos que defendem o projeto que garantiu o sucesso de políticas de inclusão social. Todavia, a mídia estatal (NBR) e pública (EBC), os blogs, portais e redes sociais, a mídia comunitária e sindical, todos em conjunto, não são capazes de construir uma narrativa pública alternativa.
No que se refere ao governo, falta apoio e comprometimento com a mídia pública para que ela, como reza a Constituição (artigo 223) e a exemplo do que ocorre em outras democracias, se constitua em complemento e alternativa de qualidade à mídia privada comercial.
Por outro lado, há uma secretaria que trata especificamente da comunicação, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Cabe a ela coordenar a divulgação de informação pública e também a distribuição dos recursos da publicidade oficial.
O grande paradoxo, todavia, é que os critérios técnicos utilizados para distribuição das verbas oficiais de publicidade têm financiado e consolidado, ao longo dos anos, exatamente os oligopólios de mídia que constroem a linguagem pública dominante, sem pluralidade e sem diversidade.
Na verdade, uma Instrução Normativa publicada no Diário Oficial da União às vésperas do Natal de 2014, tornou ainda mais rigorosos os critérios técnicos já em vigor e praticamente exclui as pequenas empresas de mídia da distribuição das verbas oficiais de publicidade (cf. Instrução Normativa nº 7, de 19 de dezembro de 2014, publicada no DOU de 23 de dezembro de 2014).
Na posse do novo ministro da Secom-PR, na terça-feira (31/3), a presidente da República, além de renovar seu compromisso constitucional com as liberdades de expressão e da imprensa, fez referencia a atuação da Secom-PR dentro do que chamou de “critérios justos e corretos”. Como não se sabe exatamente o que “justos e corretos” virão a significar na prática da execução das políticas de comunicação social, resta esperar para ver.
O papel do Estado e os riscos da crítica
Nas democracias contemporâneas, o apoio financeiro do Estado às empresas alternativas de mídia é praticado em nome da diversidade e da pluralidade sem as quais a liberdade de expressão, como bem sabemos, se transforma em privilégio de uns poucos oligopólios.
Se não houver apoio do Estado brasileiro à mídia pública e comunitária, se não se alterar a política de distribuição dos recursos de publicidade oficial e se, como manda a Constituição de 1988, não se regular o § 5º do artigo 220 que proíbe monopólios e oligopólios nos meios de comunicação social, jamais teremos uma linguagem alternativa àquela dos oligopólios de mídia no espaço público.
Em períodos de crise política, intolerância, ódio e falsas unanimidades, a postura crítica em relação aos oligopólios de mídia significa correr o risco de ser acusado de partidarismo e/ou de ignorar a crise e/ou, ainda, de defender “o controle da mídia para impedi-la de denunciar a corrupção do governo”.
A hora exige que se corra este risco.
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