Obra de Romero Britto |
2015 está terminando e, com ele, aparentemente o golpismo da direita contra a Democracia e o Estado de Bem-Estar Social brasileiro. Embora toda e qualquer análise peremptória sobre a crise política, social e institucional brasileira seja, em larga medida, precária, em razão da fluidez da conjuntura e de potenciais movimentos provindos da controversa “Operação Lava Jato”, do Congresso Nacional, do STF, do TSE e do jogo político como um todo, alguns fatos políticos são essenciais nesse complexo tabuleiro da vida política nacional. Procurei analisar essa precariedade analítica nos artigos “A fluidez da conjuntura política e os próximos lances” e “A virada de Dilma”, publicados neste site respectivamente em 21 outubro e 20 de dezembro deste ano.
Tais fatos políticos referem-se à batalha sobre a “moralidade do golpe” (entendida como legitimação moral), chamada pelos golpistas – das raposas políticas aos inocentes úteis – de impeachment. Nesse sentido, três grandes fatos, de uma inumerável cepa, devem ser ressaltados:
O primeiro refere-se à “peça” supostamente jurídica que “fundamentou” a abertura do processo de impeachment pelo Congresso Nacional produzida pelos advogados Bicudo e Reali que mais se parece um “faz-me-rir” à guisa dos processos kafkanianos. Ressentimentos pessoais e políticos, de um lado, e oportunismo político – devidamente sustentados pelo PSDB e pela oposição derrotada nas última eleições – se imiscuem à peça que tem de tudo, menos fundamentação jurídica. Não é por outro motivo que os principais magistrados brasileiros e suas associações representativas posicionaram vigorosamente contrários a tal processo. Tratou-se de um importantíssimo golpe moral lancetado pelo golpismo contra si.
Um outro golpe moral, de importância ainda maior, refere-se ao fato de que a liderança pró destituição da presidente Dilma responde pelo nome de Eduardo Cunha, cuja permanência no Congresso Nacional – sobretudo como presidente da Câmara –, e em liberdade, só podem ser compreendidas pelo papel prioritariamente político e secundariamente jurídico do Supremo Tribunal Federal. A velha imagem da “raposa cuidando do galinheiro” encaixa-se perfeitamente a Eduardo Cunha, o que contribuiu vigorosamente para deslegitimar o golpismo parlamentar, cuja articulação vinha da própria vice-presidência da República. Ambos os fatos – o “faz-me-rir” jurídico aceito por um parlamentar cuja biografia confunde-se com ficha policial, no dizer do próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot – confluem para o descrédito político/institucional do golpismo. Nesse sentido, em razão do impeachment ser encarnado por Cunha, embora não apenas por isso, as manifestações das classes médias minguaram fortemente.
O terceiro fato político não se encontra no âmbito político/institucional, mas social, em sentido lato. Trata-se da abordagem beligerante, truculenta, desrespeitosa e intelectualmente “analfabeta” de jovens ricos ao grande artista Chico Buarque. Embora esse tipo de fascismo cotidiano esteja presente em inúmeras situações desde o segundo turno das eleições presidenciais – nas ruas, em lugares públicos e privados, no mundo digital, na cobertura da mídia golpista, e sobretudo no ignóbil senso comum –, o aspecto distintivo diz respeito à moralidade da figura de Chico Buarque. Em outras palavras, um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, conhecido tanto por sua genialidade como por sua coerência política e intelectual – que se pode concordar ou discordar, pouco importa –, barrou a suposta moralidade golpista.
Afinal, aqueles jovens, verdadeiros “filhinhos de papai, do rentismo e da mídia”, expressaram todo o ódio (e ignorância) de classe de, se tanto, 10% dos brasileiros, isto é, dos mais ricos inconformados com a maior igualdade social no país. As respostas de Chico Buarque sobre o PSDB ser, segundo ele, um “partido bandido” e sobre a “desinformação de quem lê a Revista Veja”, entre outras respostas, são, por si só, desconstrução da legitimação moral do golpe. Mas a própria imagem do episódio já seria significativa do modus operandi dos proto fascistas filhinhos do privilégio e da ignorância.
Após esse episódio ficou mais difícil ir às ruas defender o impeachment, assim como achincalhar figuras públicas, tendo em vista que se escancarou a precariedade da “peça” jurídica de Bicudo/Reale e a não moralidade de Cunha para liderar o impeachment da presidente: afinal, como pode alguém que se locupletou comprovadamente de recursos públicos destituir uma presidente acusada, sem provas, de algo muito menor? Nesse sentido, um dos “filhinhos” ter chamado Chico Buarque de “merda” coroa a insensatez fascista, afastando, pouco a pouco, grande parte dos inocentes úteis que, devido ao massacre midiático e ao ódio de classes das elites que, contudo, transbordou aos segmentos populares, veem no PT a causa de todos os males brasileiras. Ruiu, portanto, do ponto de vista social, em seu veio simbólico, o golpismo..
Pois bem, esses três fatos políticos possivelmente enterrarão, cada qual a seu modo, o golpismo, notadamente quanto à imoralidade política que representa: a tentativa de derrubada do poder de quem se elegeu legitimamente pelo voto, assim como – e ainda mais significativo – a derrogação da democracia política e social/trabalhista no país, cuja consolidação ainda está em processo.
Portanto, daqui para frente, salvo acontecimentos completamente imprevistos, o golpismo terá mais dificuldade de se articular e sobretudo de justificar moralmente – isto é, sua legitimidade moral – a derrubada da presidente Dilma. Trata-se de mais uma obra de nosso maior artista!
Ainda assim, resta um longo caminho: político/institucional (barrar o golpe e refazer pactos sociais de outras naturezas), econômico (voltar-se ao desenvolvimento com distribuição de renda) e sobretudo proveniente da pressão popular ao ocupar as ruas, encarar o debate e o embate público e propor concretamente reformas no sentido de aprofundar a democracia no país: reforma da mídia, combate ao rentismo, reordenação do agronegócio, entre tantos outros. Para tanto, o enfrentamento moral – referente à moralidade pública, típica da ação política, enfatize-se – é elemento-chave. Em outras palavras, conquistar “as mentes e os corações” para a causa da democracia política (o que inclui direitos civis) e social (que implica direitos voltados à igualdade, direitos trabalhistas e outros) é a grande batalha que reserva o ano de 2016!
A moralidade política é, dessa forma, aliada crucial na batalha das “mentes e dos corações”. Nesse sentido, 2015 termina bem comparativamente ao que se viu durante todo o ano. Contudo, não há espaço para tréguas, uma vez que a ânsia golpista permanece articulada, embora com muitas contradições.
Por fim, somente o encerramento do processo de impeachment, conjugado com um novo modelo de desenvolvimento (a queda de Joaquim Levy é, nesse sentido, alvissareira) a à articulação com movimentos sociais progressistas poderá fazer com que o Governo Dilma realmente comece! A partir daí pode-se pensar na reforma do sistema político – causa maior de nossa imoralidade pública ao abarcar quase todos os partidos –, mesmo que a médio prazo, a rigor iniciada pelo STF com a proibição do financiamento empresarial a campanhas, pois absolutamente crucial para o futuro da democracia brasileira.
Pois bem, esses três fatos políticos possivelmente enterrarão, cada qual a seu modo, o golpismo, notadamente quanto à imoralidade política que representa: a tentativa de derrubada do poder de quem se elegeu legitimamente pelo voto, assim como – e ainda mais significativo – a derrogação da democracia política e social/trabalhista no país, cuja consolidação ainda está em processo.
Portanto, daqui para frente, salvo acontecimentos completamente imprevistos, o golpismo terá mais dificuldade de se articular e sobretudo de justificar moralmente – isto é, sua legitimidade moral – a derrubada da presidente Dilma. Trata-se de mais uma obra de nosso maior artista!
Ainda assim, resta um longo caminho: político/institucional (barrar o golpe e refazer pactos sociais de outras naturezas), econômico (voltar-se ao desenvolvimento com distribuição de renda) e sobretudo proveniente da pressão popular ao ocupar as ruas, encarar o debate e o embate público e propor concretamente reformas no sentido de aprofundar a democracia no país: reforma da mídia, combate ao rentismo, reordenação do agronegócio, entre tantos outros. Para tanto, o enfrentamento moral – referente à moralidade pública, típica da ação política, enfatize-se – é elemento-chave. Em outras palavras, conquistar “as mentes e os corações” para a causa da democracia política (o que inclui direitos civis) e social (que implica direitos voltados à igualdade, direitos trabalhistas e outros) é a grande batalha que reserva o ano de 2016!
A moralidade política é, dessa forma, aliada crucial na batalha das “mentes e dos corações”. Nesse sentido, 2015 termina bem comparativamente ao que se viu durante todo o ano. Contudo, não há espaço para tréguas, uma vez que a ânsia golpista permanece articulada, embora com muitas contradições.
Por fim, somente o encerramento do processo de impeachment, conjugado com um novo modelo de desenvolvimento (a queda de Joaquim Levy é, nesse sentido, alvissareira) a à articulação com movimentos sociais progressistas poderá fazer com que o Governo Dilma realmente comece! A partir daí pode-se pensar na reforma do sistema político – causa maior de nossa imoralidade pública ao abarcar quase todos os partidos –, mesmo que a médio prazo, a rigor iniciada pelo STF com a proibição do financiamento empresarial a campanhas, pois absolutamente crucial para o futuro da democracia brasileira.
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