sábado, 7 de fevereiro de 2015

Lula, mídia e a "criminalização do PT"

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:

O ex-presidente Lula disse esta noite, na festa do aniversário de 35 anos do Partido dos Trabalhadores, comemorado em Belo Horizonte, que o critério da mídia para a cobertura da Operação Lava Jato é o da “criminalização do PT”.

Segundo ele, “estamos assistindo a um filme com final conhecido”: acusações sem provas, falta de contraditório e julgamento pela imprensa. O ex-presidente não fez menção ao escândalo do mensalão.

Lula disse que não existe uma única acusação provada contra o partido até agora na Operação Lava Jato. Para ele, o que se pretende é condenar o PT por doações obtidas legalmente.

Lula se disse indignado com a condução coercitiva do tesoureiro do PT para depor à Polícia Federal, afirmando que João Vaccari Neto teria comparecido se tivesse sido intimado.

Segundo Lula, a mídia está construindo uma versão, uma narrativa que criminaliza o PT, com o vazamento seletivo dos fatos.

Referindo-se à oposição como antinacional e excludente, o ex-presidente disse que “foi o governo deles que tentou destruir a Petrobras”.

Lembrou também que “eles nunca investigaram nada, varreram tudo para debaixo do tapete”.

Para Lula, foi a quarta derrota consecutiva “que despertou os mais baixos instintos dos nossos adversários”.

O ex-presidente afirmou que “eles não querem esperar por outra derrota”, por isso “investem na crise, apostam no caos”.

Para Lula, “cabe ao PT denunciar essas manobras”.

Abaixo, a íntegra do discurso, publicada no site do Instituto Lula:

*****

Companheiros e companheiras,

No dia 10 de fevereiro de 1980, algumas centenas de brasileiros e de brasileiras começaram a escrever uma das mais belas páginas da história política do nosso País.

Naquele dia, companheiros vindos de todas as regiões, trabalhadores da cidade e do campo, intelectuais, estudantes, religiosos, militantes de esquerda, militantes sociais, nos reunimos para debater e aprovar o Manifesto de Fundação do Partido dos Trabalhadores.

Era um tempo em que lutávamos por Democracia, enfrentando uma repressão que recaía de forma especialmente dura sobre os trabalhadores e nossos aliados. Um tempo em que estávamos conquistando, na prática e no aprendizado das lutas cotidianas, o direito de livre organização sindical e política da classe trabalhadora.

Nesse ambiente de lutas, com os pés firmes no chão e grandes sonhos na cabeça, nasceu o PT.

Quero recordar as primeiras palavras do nosso Manifesto de 1980:

“O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la.

A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá. (…)

As grandes maiorias que constroem a riqueza da nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. (…)

O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados.”

É importante recordar essas palavras, 35 anos e muitas lutas depois, para fixar duas características essenciais do nosso partido:

O PT nasceu para mudar.

O PT nasceu para ser diferente.

É isso que explica a nossa trajetória desde a fundação, por um punhado de idealistas comprometidos com as causas populares, até os dias de hoje, quando estamos governando este País que se tornou uma das maiores democracias e uma das maiores economias do mundo.

Quantos partidos políticos chegaram aos 35 anos de existência com uma história de lutas e conquistas tão rica como a do Partido dos Trabalhadores?

E quantos partidos no Brasil, tendo conquistado o governo, conseguiram transformar de maneira tão intensa a realidade social, econômica e política em nosso País? Certamente, nenhum como o PT.

Podemos falar com muito orgulho do nosso partido, porque fizemos e continuamos fazendo História neste País.

Companheiros e companheiras,

É muito comum hoje em dia as pessoas falarem em “nova política”, como se estivessem anunciando a invenção da roda.

Por isso, quero lembrar outra passagem do nosso Manifesto de fundação:

“O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.”

Quem foi capaz de construir um partido de baixo para cima, organizando núcleos nas fábricas, nos bairros e nas escolas, sabe muito bem o que foi fazer uma nova política nesse País.

Desde a primeira prefeitura que elegemos, o PT introduziu uma nova forma de governar, com a participação direta da população nas decisões.

O PT criou o Orçamento Participativo e abriu novos caminhos para a Democracia, por meio dos conselhos e das conferências para debater e efetivar políticas públicas.

A sociedade apropriou-se dessas práticas, aprendeu e cresceu com elas, qualificando sua relação com o poder público em todos os níveis.

Nova política foi combinar a atuação dos nossos deputados e vereadores com a presença nas ruas, nas greves e nas lutas populares.

O PT participou da organização de movimentos sociais autônomos, que dinamizaram a Democracia e o processo político em nosso País.

Estivemos na linha de frente do movimento pelas Diretas-Já e pela plena redemocratização do País. Levamos à Assembleia Constituinte as propostas mais avançadas do campo popular e democrático.

Elegemos prefeitos em grandes cidades, elegemos governadores, aprendemos a construir alianças, ampliando o diálogo com os diversos setores da sociedade.

Disputamos três eleições presidenciais antes de alcançar a primeira vitória, acumulando ensinamentos e ampliando nossa articulação social em cada processo eleitoral.

Foi a prática coerente dessa nova política, nas instituições e nas ruas, que consolidou o caminho para a vitória eleitoral de 2002, quando o País escolheu o PT para liderar as mudanças.

Nova política foi acabar com a fome neste País.

Foi garantir uma renda básica, um patamar de dignidade e cidadania para cada brasileiro, por meio do Bolsa Família e do Brasil Sem Miséria.

Estes poucos, mas significativos, exemplos honram a memória daqueles que viram na criação do PT a oportunidade histórica do povo brasileiro para tomar o destino em suas mãos.

Companheiros da qualidade de Sérgio Buarque de Holanda, Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa, Lélia Abramo, Henfil, Helena Grecco, Luiz Gushiken, Marcelo Déda e tantos outros que sonharam conosco desde o início da jornada.

O PT é motivo de orgulho para cada militante, das primeiras e das novas gerações.

Cada um de nós pode andar de cabeça erguida e afirmar: nós contribuímos para mudar este País.

Participamos diretamente da maior transformação política, social e econômica da história do Brasil.

Caminhamos junto com o povo brasileiro para uma nova era de desenvolvimento e inclusão social.

A história do PT é nosso maior patrimônio, e essa história ninguém pode nos tirar.

Companheiros e companheiras,

Há pouco mais de 12 anos o PT começou a enfrentar seu maior desafio – que era também seu destino de partido nascido para mudar.

Governar o Brasil, com as complexidades de um país historicamente marcado pela desigualdade, foi a missão que a sociedade nos confiou, em um voto carregado de esperança.

A direção a seguir estava apontada, mais uma vez, em nosso Manifesto fundador, onde ele diz:

“O PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social.”

Seguimos essa orientação desde o primeiro dia de governo. Houve medidas duras, para corrigir os muitos problemas que herdamos. Houve medidas amargas, quando foi necessário para garantir os avanços. Foi preciso reavaliar expectativas para lidar corretamente com a realidade do País e as responsabilidades de governo.

Mas nunca deixou de haver diálogo democrático com todos os setores. Nunca um governo se abriu tanto às propostas e reivindicações da sociedade.

E nunca – jamais – traímos o compromisso com as camadas mais amplas da população, as que sempre foram relegadas no curso da História.

Nesses 12 anos o povo brasileiro participou conosco do mais amplo processo de inclusão social desse País, no mais duradouro período de crescimento econômico com estabilidade.

Nós temos de nos orgulhar de um governo que tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza, que criou mais de 21 milhões de empregos com carteira assinada, que conseguiu incluir mais de 40 milhões na classe média.

Temos de nos orgulhar de um governo em que o salário mínimo cresceu 74% em termos reais, em que a renda das famílias mais pobres cresceu mais de 60%.

De um governo que herdou um desemprego de 12,5% e reduziu esse índice a 4,8% em 2014, o menor desemprego de todos os tempos.

Temos de nos orgulhar de um governo em que o país dobrou a produção agrícola, garantiu comida farta na mesa do trabalhador e tornou-se um dos maiores exportadores mundiais de alimentos.

Um governo que abriu as portas da universidade para os filhos dos trabalhadores, para os negros, para os que jamais tiveram essa oportunidade.

Esses 12 anos de grandes mudanças marcarão para sempre a história do Brasil.

Mas não podemos nos acomodar. Temos de compreender que foram os primeiros passos de uma jornada que vai nos levar muito longe; que é preciso avançar para consolidar as conquistas.

Companheiros e companheiras,

O PT acaba de conquistar o quarto mandato consecutivo na Presidência da República.

Foi talvez a mais difícil campanha eleitoral que já enfrentamos. Certamente, a mais suja; aquela em que nossos adversários utilizaram as piores armas para tentar nos derrotar. Tentaram fraudar a vontade política da maioria, usando todos os seus recursos de comunicação para manipular, distorcer, falsear e até inventar episódios contra nosso partido, nosso governo e nossa candidata.

A quarta derrota eleitoral consecutiva despertou os mais baixos instintos dos nossos adversários.

Tiveram a ousadia de pedir recontagem dos votos, como se o Brasil ainda fosse aquela república das eleições a bico de pena.

Tentaram impugnar a prestação de contas da campanha e barrar a diplomação da presidenta.

Tentaram criar um ambiente de inconformismo com o resultado que se recusam a aceitar democraticamente.

Vencemos; o Brasil venceu mais uma vez, mas a luta não acabou.

Nossos adversários não podem dizer qual é o seu projeto; porque é antinacional, contrário ao desenvolvimento, é um projeto que exclui milhões de pessoas do processo econômico e social.

Eles só podem atacar o PT e o nosso governo com as armas da irracionalidade e do ódio.

Não têm, nunca tiveram, autoridade para falar em nome da ética, mas é nesse campo que tentam desesperadamente nos atingir. Eles, que jamais investigaram a fundo uma denúncia de corrupção. Eles, que varriam escândalos para debaixo do tapete. Eles, que alienaram o patrimônio da Nação “no limite da irresponsabilidade”.

Foi o governo do PT que acabou com a impunidade que eles cultivaram por tanto tempo. Nenhum outro governo fez mais para combater a corrupção nesse País, conforme a presidenta Dilma deixou claro na campanha eleitoral.

Mas vejam o que está ocorrendo em torno da Petrobrás. Desde o início da campanha eleitoral, nossos adversários manipulam uma investigação institucional, com o objetivo de criminalizar o PT.

Esta investigação, como todas as outras iniciadas em nosso governo, deve ser levada até o fim, esclarecendo os fatos, apontando os responsáveis e levando seja quem fora a julgamento. É isso que a sociedade espera e é isso que vem ocorrendo nos governos do PT – ao contrário do que ocorria no tempo deles.

Mas estamos assistindo a repetição de um filme com final conhecido. Pessoas são acusadas, por meio da imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual somente alguns têm acesso. Não há contraditório, não há direito de defesa. E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça, o pré-julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já foram escolhidos e bastará apenas executar a sentença.

Nossos adversários não se incomodam que essa campanha já tenha causado enormes prejuízos à Petrobrás e ao País. O que eles querem é paralisar o governo e desgastar o PT, a qualquer custo.

Mais uma vez eles falharam na tentativa de voltar ao poder pelo voto. Ao que tudo indica, não querem mais esperar outra derrota: partem claramente para a desestabilização, investem na crise, apostam no caos. Na falta de votos, buscam atalhos para o poder, manipulando a opinião pública e constrangendo as instituições.

Eles vão prestar contas à História sobre a maneira antidemocrática como vêm agindo.

Cabe ao PT denunciar essas manobras com firmeza. Repelir a mentira, esclarecer a sociedade, agir de acordo com a gravidade da situação.

A verdade é que foi o governo deles que tentou destruir a Petrobrás. E foi o nosso governo que a resgatou, retomou os investimentos que levaram à descoberta do Pré-Sal e fizeram da Petrobrás a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de capital aberto.

A verdade – e isso está nos autos da investigação, mas não está nos jornais nem na TV – é que havia corrupção nos contratos que a Petrobrás assinou com empresas estrangeiras no tempo deles. E isso nunca foi investigado.

A verdade é que, apesar de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o PT nesse processo, nenhuma doação ilegal, nenhum desvio para o partido. Nada!

E se algo de concreto vier a ser encontrado, se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja julgado e punido, dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos adversários, não compactua com a impunidade.

Companheiros e companheiras,

O resultado eleitoral nos obriga também a uma reflexão sincera sobre as dificuldades do PT para manter sua sintonia histórica com os anseios da sociedade brasileira. Não é possível ignorar esse desgaste.

Não e verdade que o PT tenha se transformado num partido pior do que os outros, mais fisiológico ou mais sujeito aos desvios.

O verdadeiro problema do PT é que ele se tornou um partido igual aos outros.

Deixou de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes.

A estrutura à disposição de um deputado é maior do que a de um diretório estadual do partido.

A estrutura dos cargos de governo, também.

Ao longo do tempo, isso alterou a vida interna do partido. Há muito mais preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido.

As direções, tanto as regionais quanto a nacional, ficaram prisioneiras dessa lógica. Tornaram-se burocráticas, pouco representativas da nossa base social, ou então apresentam uma representação meramente artificial de setores sociais.

Militantes e dirigentes tornam-se profissionais da política e dos governos.

Falando francamente: muitos de nós estão mais preocupados em manter – e se manter – nessas estruturas de poder do que em fazer a militância partidária que estava na origem do PT.

Essa é a origem de vícios como a militância paga, a disputa por cargos em gabinetes, o investimento de grandes recursos em campanhas eleitorais, enfim: vícios que nós sempre criticamos na política tradicional.

É nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da sociedade e perante a história do PT.

É dessa forma que o exercício do poder, ao invés de fortalecer, acaba fragilizando um partido.

Não é fenômeno é inédito. Aconteceu historicamente com grandes partidos populares ao redor do mundo. Mas penso que esse processo chegou ao limite no PT.

Não podemos esquecer que o PT, como já disse, nasceu para ser diferente.

Resgatar esse espírito é o nosso grande desafio nesse momento.

Não se trata de propor, ingenuamente, a volta a um passado que não existe mais. O País mudou nesses 35 anos. Mudou graças ao PT, não aos que nos criticam de fora. Mudou porque cumprimos os objetivos que levaram à criação do partido.

Hoje o País é outro, a realidade da classe trabalhadora é outra, a juventude é outra, as reivindicações e interesses da população estão em um novo patamar, assim como as demandas para a ampliação de direitos e da Democracia.

O PT precisa responder a essa nova realidade. Articular as demandas dos milhões de brasileiros que conquistaram emprego digno, que têm novas oportunidades, que aprenderam a usar a renda e o crédito para realizar sonhos antigos – e que têm, portanto, sonhos novos.

Precisa ouvir e dialogar com toda uma geração de brasileiros que ainda era criança quando o povo nos levou à Presidência da República. Uma geração que não conhece a nossa história e não vai conhecê-la se não tivermos a inciativa de contar a eles como era este País nos tempos da ditadura, como era este País no governo neoliberal dos nossos adversários.

Precisamos dialogar com as novas demandas democráticas, no plano dos direitos das pessoas, demandas que acompanham a evolução da sociedade e que não eram tão claras há 35 anos.

É necessário ter muita clareza das mudanças que ocorreram, para elaborar um novo pacto político com a sociedade brasileira, um pacto que atenda às exigências de hoje e que aponte para o futuro.

Não há respostas fáceis para essa questão. Temos de buscá-las em nossas raízes, porque se chegamos até aqui foi pelo que fizemos desde o começo da caminhada.

Não há dirigente ou liderança individual capaz de apontar o caminho. Não em um partido democrático de massas, como o PT sempre se propôs a ser.

O PT não é o seu presidente, não é sua direção, não é tal ou qual liderança. O PT são dois milhões de filiados, centenas de milhares de militantes. São os setores da sociedade que se consideram representados pelo partido, participam do debate político e têm sido decisivos nos embates eleitorais.

É aí que vamos encontrar a energia renovadora, para recriar o sonho original do PT.

Creio que esse é o debate que devemos fazer agora, quando iniciamos o processo de renovação da direção partidária.

Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos.

Isso exige humildade e coragem de cada um. Humildade para reconhecer o que é preciso mudar, e coragem para continuar mudando.

Temos a história ao nosso lado e o futuro diante de nós. O PT precisa estar, mais uma vez, à altura de suas origens, porta-voz da esperança, da democracia, da ética e da igualdade.

Muito obrigado.

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