Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Confesso que ando cada vez mais espantado diante das homenagens a Paulo Francis em função das acusações de corrupção na Petrobras, feitas em 1996, no programa Manhattan Conection.
A convicção generalizada é que Francis estava absolutamente correto em suas denúncias e, ameaçado por um processo de US$ 100 milhões na Justiça de Nova York, acabou sofrendo um enfarto que provocou sua morte. Em função disso, não paramos de ouvir elogios à sua visão como jornalista e à sua argúcia como analista. Mas se Francis falou a verdade, a pergunta real é saber por que nada se fez diante do que ele disse, o que transforma as homenagens de hoje num caso exemplar de silêncio e covardia, a espera de uma investigação responsável e exemplar.
Em 1996, o país tinha um presidente da República eleito, Fernando Henrique Cardoso, empossado há dois anos no Planalto, com apoio da mais fina flor do baronato brasileiro - e até uma fatia potentados internacionais. Tinha um vice, Marco Maciel, que trazia o apoio do mundo conservador do PFL e dos herdeiros da ditadura. Também tinha um ministro das Minas e Energia, Raimundo Mendes de Brito, afilhado de Antônio Carlos Magalhães, vice-Rei da Bahia. Na Polícia Federal, encontrava-se Vicente Chelloti como diretor. O procurador geral da República era Geraldo Brindeiro, que logo faria fama como engavetador.
Nenhuma dessas autoridades veio a público para esclarecer as acusações, fosse para mostrar que Paulo Francis tinha razão, ou para dizer que estava errado. Ninguém correu riscos, não fez perguntas, nem trouxe respostas, nem confrontou Joel Rennó, o presidente da Petrobras que entrou com ação na Justiça contra o jornalista porque se considerou ofendido pelas acusações.
Paulo Francis falou a verdade? Mentiu? Exagerou? Estava de porre? Não sabemos.
A gravação está disponível na internet. Referindo-se a contas secretas na Suíça, Paulo Francis fala com o desembaraço de quem está fazendo delação premiada para o juiz Sergio Moro. Diz que “todos os diretores da Petrobras têm conta lá.” Alguns jornalistas presentes dão sorrisos maliciosos. Nada que lembre a indignação de hoje. Um deles adverte, sem que se possa ver seu rosto: “olha que isso dá processo…” Em outro depoimento, também disponível na internet, Paulo Francis afirma que os diretores da Petrobras são muito queridos na Suíça, onde têm contas de 50 e 60 milhões de dólares.
Fernando Henrique Cardoso não deixou sequer um palpite sobre o caso. Estimulado por José Serra, o presidente mobilizou-se para convencer Joel Rennó para desistir da ação.
E a denúncia?
Se hoje FHC enche o peito para dizer que a Justiça deve fazer aquilo que os militares não podem mais, sem poupar os “mais altos hierarcas”, eufemismo para chegar a Dilma e Lula, não custa perguntar por que se calou quando tinha vários instrumentos do Estado na mão. Se hoje as denúncias são uma forma da oposição tentar atingir Dilma, em 1996 e 1997 era seu governo que poderia se tornar alvo.
Não havia nada para ser investigado, nem para com auxílio da Justiça da Suíça?
Soube-se ontem que, em 1997, o ano em que Paulo Francis morreu, o gerente da Petrobras Pedro Barusco, que, em 2015, se tornaria um dos personagens principais do inquérito da Lava Jato, já tinha um bom cargo na empresa. Naquele ano, passou a receber, além do salário e demais benefícios legais, uma propina mensal entre US$ 20 000 e US$ 50 000 de uma empresa holandesa com interesses específicos na área sob seus cuidados.
Em 1998, pouco depois dos primeiros pagamentos feitos a Barusco, os interesses privados, que no mundo inteiro são a mola principal de iniciativas de corrupção em empresas estatais, ganhavam novo impulso na Petrobrás. Neste caso, FHC teve um papel fundamental.
Num decreto assinado por Fernando Henrique Cardoso, e preparado pela subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, cujo titular era Gilmar Mendes, hoje ministro do STF, aprovou-se a criação de um “procedimento licitatório simplificado da Petrobrás”. O texto do decreto 2.745 pretendia agilizar os investimentos da empresa, o que não está errado, por princípio.
Mas o procedimento “simplificado” está na origem intelectual do hoje célebre “clube das empreiteiras,” denunciado em tom de escândalo.
Haviam se passado apenas dois anos da acusação de Paulo Francis e a alteração ocorrida não foi pequena. Em vez de submeter as obras milionárias da empresa as disputas duras e complicadas de uma licitação pública, autorizou-se a chamada de interessadas pelo sistema de carta-convite, o caminho mais fácil para a seleção de amigos e exclusão de inimigos. É uma situação tão escandalosa que nunca faltaram críticas ao decreto e mesmo ações questionando sua legalidade. O decreto do “clube das empreiteiras” mantém-se em vigor através de liminares. Uma delas, ironicamente, foi concedida pelo próprio Gilmar Mendes, que, já como ministro do STF, julgou o trabalho da subchefia que estava sob sua guarda quando servia ao governo FHC.
Em vários países, as empresas estatais, particularmente de petróleo, vivem uma situação contraditória. De um lado, expressam a vontade política de soberania nacional - que justifica sua existência - diante de reservas de valor estratégico. De outro, são alvo permanente de pressões do setor privado, interessado em transferir ganhos em escala formidável para seus cofres particulares. O resultado é um universo de muita tensão.
A PDVSA venezuelana foi ocupada, historicamente, pela elite econômica do país, aquela que é conhecida por manter um patrimônio maior em Miami do que em Caracas. Depois da posse de Hugo Chávez, cuja vitória criou uma situação política inédita, a alta burocracia da empresa tornou-se aliada da oposição conservadora e chegou a tentar promover um golpe de Estado, impedindo a distribuição de petróleo num país onde o mais refinado produto local é a cerveja e depois o refrigerante.
Na Itália, a estatal ENI servia para enriquecer as campanhas da Democracia Cristã e do Partido Socialista, num tempo em que o Partido Comunista era o demônio da Guerra Fria. Após a Mãos Limpas, ocorreu um desfecho que vale como advertência ao que pode se passar no Brasil, quando se recorda que o modelo de trabalho do juiz Sergio Moro foi a operação italiana: a ENI foi privatizada - e não há dúvida de que os escândalos e o trabalho de jornais e revistas ajudaram a adoçar a ideia.
Num país onde a Petrobras sempre foi alvo de ataque feroz por parte do empresariado conservador e seus aliados externos, após a democratização não houve um governo que não tivesse enfrentado uma investigação em torno de desvios e irregularidades. (É certo como 2+2=4 que havia esquemas sob a ditadura, mas nunca vieram a público).
Em 1989, no governo de José Sarney, a descoberta de um milionário esquema de desvios que levou ao afastamento do presidente da BR Distribuidora e seu principal auxiliar. Em 1992, uma tentativa de intervenção de PC Farias na direção da empresa levou à saída do advogado Luiz Octávio da Motta Veiga, que preferiu ir embora em vez de atender aos pedidos do tesoureiro de Fernando Collor.
A ideia de que os esquemas de corrupção na Petrobras nasceram a partir de 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, é falsa mas tem uma utilidade política óbvia: ajuda a transformar uma operação policial num instrumento de destruição política, cujo alvo final é o governo Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Também permite acobertar responsabilidades passadas, o que é sempre conveniente em campanhas de moralismo seletivo. Mas o preço é apagar a memória histórica, o que impede qualquer debate sensato sobre o caso.
Confesso que ando cada vez mais espantado diante das homenagens a Paulo Francis em função das acusações de corrupção na Petrobras, feitas em 1996, no programa Manhattan Conection.
A convicção generalizada é que Francis estava absolutamente correto em suas denúncias e, ameaçado por um processo de US$ 100 milhões na Justiça de Nova York, acabou sofrendo um enfarto que provocou sua morte. Em função disso, não paramos de ouvir elogios à sua visão como jornalista e à sua argúcia como analista. Mas se Francis falou a verdade, a pergunta real é saber por que nada se fez diante do que ele disse, o que transforma as homenagens de hoje num caso exemplar de silêncio e covardia, a espera de uma investigação responsável e exemplar.
Em 1996, o país tinha um presidente da República eleito, Fernando Henrique Cardoso, empossado há dois anos no Planalto, com apoio da mais fina flor do baronato brasileiro - e até uma fatia potentados internacionais. Tinha um vice, Marco Maciel, que trazia o apoio do mundo conservador do PFL e dos herdeiros da ditadura. Também tinha um ministro das Minas e Energia, Raimundo Mendes de Brito, afilhado de Antônio Carlos Magalhães, vice-Rei da Bahia. Na Polícia Federal, encontrava-se Vicente Chelloti como diretor. O procurador geral da República era Geraldo Brindeiro, que logo faria fama como engavetador.
Nenhuma dessas autoridades veio a público para esclarecer as acusações, fosse para mostrar que Paulo Francis tinha razão, ou para dizer que estava errado. Ninguém correu riscos, não fez perguntas, nem trouxe respostas, nem confrontou Joel Rennó, o presidente da Petrobras que entrou com ação na Justiça contra o jornalista porque se considerou ofendido pelas acusações.
Paulo Francis falou a verdade? Mentiu? Exagerou? Estava de porre? Não sabemos.
A gravação está disponível na internet. Referindo-se a contas secretas na Suíça, Paulo Francis fala com o desembaraço de quem está fazendo delação premiada para o juiz Sergio Moro. Diz que “todos os diretores da Petrobras têm conta lá.” Alguns jornalistas presentes dão sorrisos maliciosos. Nada que lembre a indignação de hoje. Um deles adverte, sem que se possa ver seu rosto: “olha que isso dá processo…” Em outro depoimento, também disponível na internet, Paulo Francis afirma que os diretores da Petrobras são muito queridos na Suíça, onde têm contas de 50 e 60 milhões de dólares.
Fernando Henrique Cardoso não deixou sequer um palpite sobre o caso. Estimulado por José Serra, o presidente mobilizou-se para convencer Joel Rennó para desistir da ação.
E a denúncia?
Se hoje FHC enche o peito para dizer que a Justiça deve fazer aquilo que os militares não podem mais, sem poupar os “mais altos hierarcas”, eufemismo para chegar a Dilma e Lula, não custa perguntar por que se calou quando tinha vários instrumentos do Estado na mão. Se hoje as denúncias são uma forma da oposição tentar atingir Dilma, em 1996 e 1997 era seu governo que poderia se tornar alvo.
Não havia nada para ser investigado, nem para com auxílio da Justiça da Suíça?
Soube-se ontem que, em 1997, o ano em que Paulo Francis morreu, o gerente da Petrobras Pedro Barusco, que, em 2015, se tornaria um dos personagens principais do inquérito da Lava Jato, já tinha um bom cargo na empresa. Naquele ano, passou a receber, além do salário e demais benefícios legais, uma propina mensal entre US$ 20 000 e US$ 50 000 de uma empresa holandesa com interesses específicos na área sob seus cuidados.
Em 1998, pouco depois dos primeiros pagamentos feitos a Barusco, os interesses privados, que no mundo inteiro são a mola principal de iniciativas de corrupção em empresas estatais, ganhavam novo impulso na Petrobrás. Neste caso, FHC teve um papel fundamental.
Num decreto assinado por Fernando Henrique Cardoso, e preparado pela subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, cujo titular era Gilmar Mendes, hoje ministro do STF, aprovou-se a criação de um “procedimento licitatório simplificado da Petrobrás”. O texto do decreto 2.745 pretendia agilizar os investimentos da empresa, o que não está errado, por princípio.
Mas o procedimento “simplificado” está na origem intelectual do hoje célebre “clube das empreiteiras,” denunciado em tom de escândalo.
Haviam se passado apenas dois anos da acusação de Paulo Francis e a alteração ocorrida não foi pequena. Em vez de submeter as obras milionárias da empresa as disputas duras e complicadas de uma licitação pública, autorizou-se a chamada de interessadas pelo sistema de carta-convite, o caminho mais fácil para a seleção de amigos e exclusão de inimigos. É uma situação tão escandalosa que nunca faltaram críticas ao decreto e mesmo ações questionando sua legalidade. O decreto do “clube das empreiteiras” mantém-se em vigor através de liminares. Uma delas, ironicamente, foi concedida pelo próprio Gilmar Mendes, que, já como ministro do STF, julgou o trabalho da subchefia que estava sob sua guarda quando servia ao governo FHC.
Em vários países, as empresas estatais, particularmente de petróleo, vivem uma situação contraditória. De um lado, expressam a vontade política de soberania nacional - que justifica sua existência - diante de reservas de valor estratégico. De outro, são alvo permanente de pressões do setor privado, interessado em transferir ganhos em escala formidável para seus cofres particulares. O resultado é um universo de muita tensão.
A PDVSA venezuelana foi ocupada, historicamente, pela elite econômica do país, aquela que é conhecida por manter um patrimônio maior em Miami do que em Caracas. Depois da posse de Hugo Chávez, cuja vitória criou uma situação política inédita, a alta burocracia da empresa tornou-se aliada da oposição conservadora e chegou a tentar promover um golpe de Estado, impedindo a distribuição de petróleo num país onde o mais refinado produto local é a cerveja e depois o refrigerante.
Na Itália, a estatal ENI servia para enriquecer as campanhas da Democracia Cristã e do Partido Socialista, num tempo em que o Partido Comunista era o demônio da Guerra Fria. Após a Mãos Limpas, ocorreu um desfecho que vale como advertência ao que pode se passar no Brasil, quando se recorda que o modelo de trabalho do juiz Sergio Moro foi a operação italiana: a ENI foi privatizada - e não há dúvida de que os escândalos e o trabalho de jornais e revistas ajudaram a adoçar a ideia.
Num país onde a Petrobras sempre foi alvo de ataque feroz por parte do empresariado conservador e seus aliados externos, após a democratização não houve um governo que não tivesse enfrentado uma investigação em torno de desvios e irregularidades. (É certo como 2+2=4 que havia esquemas sob a ditadura, mas nunca vieram a público).
Em 1989, no governo de José Sarney, a descoberta de um milionário esquema de desvios que levou ao afastamento do presidente da BR Distribuidora e seu principal auxiliar. Em 1992, uma tentativa de intervenção de PC Farias na direção da empresa levou à saída do advogado Luiz Octávio da Motta Veiga, que preferiu ir embora em vez de atender aos pedidos do tesoureiro de Fernando Collor.
A ideia de que os esquemas de corrupção na Petrobras nasceram a partir de 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, é falsa mas tem uma utilidade política óbvia: ajuda a transformar uma operação policial num instrumento de destruição política, cujo alvo final é o governo Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Também permite acobertar responsabilidades passadas, o que é sempre conveniente em campanhas de moralismo seletivo. Mas o preço é apagar a memória histórica, o que impede qualquer debate sensato sobre o caso.
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