Procuradores, delegados e o juiz Sérgio Moro têm certeza de que o esquema de corrupção esteve sob o comando de Lula. A prisão de Lula tornou-se ideia fixa para a Lava Jato. Não se trata de suspeita tratada como suspeita.
Quando o procurador grisalho, de olhos rútilos, afirma que já pegaram Dirceu e agora vão pegar quem está acima de Dirceu, certamente não está pensando no Divino Espírito Santo.
Há três fatores alimentando essa obsessão: um de caráter penal, dois de fundo psicológico.
O de caráter penal é a simplificação que acomete procuradores, delegados e repórteres policiais, de tratar a organização política com a mesma ótica com que tratam as organizações criminosas: uma estrutura hierárquica em que todos os comandos emanam do chefe e todos os favores visam benefícios pessoais.
Há uma estrutura hierárquica e o comando geral é do primeiro da hierarquia. Sua cabeça persecutória não consegue entender as nuances do jogo político, muito mais fluido e descentralizado que nas organizações criminosas.
Não é de hoje, nem restrito ao Brasil, esse conflito entre a maior permissividade da política e dos negócios, e a visão branco-preto dos órgãos de fiscalização e controle.
No caso da Lava Jato soma-se a essa visão um conhecimento pobre sobre procedimentos bancários e ferramentas de estímulo à economia, tanto da parte de procuradores e delegados quanto de repórteres policiais. Melhoraram muito a percepção sobre crime financeiro e em nada sobre as ferramentas convencionais de política econômica.
Essa desinformação faz com que se proceda à criminalização de qualquer fato, desde financiamentos à exportação até a diplomacia comercial.
As prerrogativas do poder
Outra complicação é a dificuldade que têm para separar as chamadas prerrogativas do poder dos crimes de corrupção.
A imagem e as relações criadas por um ex-presidente é um ativo pessoal seu. Cada qual dá o uso que bem entende. Podem usar em palestras, facilitar negócios para familiares, até afrontar alguns limites éticos sem configurar crime.
E quando o palestrante tem projeção internacional – casos de Fernando Henrique Cardoso e Lula – o valor do cachê é igualmente elevado.
Logo que deixou a presidência, a primeira palestra de Fernando Henrique Cardoso foi para a Ambev - beneficiada por ele através do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O cachê foi de US$ 150 mil na época e serviu de parâmetro para os cachês subsequentes.
No seu governo, seu filho Paulo Henrique conseguiu um belo emprego na CSN, em ONGs ambientais e, depois de sua saída tornou-se sócio da Disney em uma rádio paulistana. Quais os atributos profissionais de Paulo Henrique? Filho de ex-presidente.
A mesma métrica vale para Lula. Acumulou um amplo patrimônio palestrando e fazendo lobby (legítimo) na África e América Latina para empreiteiras beneficiadas por obras e financiamentos em seu período de governo.
Seu filho emplacou um patrocínio de R$ 2,4 milhões junto a um lobista da indústria automobilística. Quais seus atributos profissionais? Ser filho de ex-presidente.
Não fizeram nada diferente do que fazem ex-presidentes dos Estados Unidos, França e Inglaterra. A tentativa de criminalizar um - e esquecer o outro - se deve ao atual viés político do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, mas também a dois outros fatores.
A busca do Santo Graal
O segundo fator é a busca do Santo Graal, a vitória final para a imortalidade: a prisão de Lula, que se tornou uma obsessão para a Lava Jato, seja por suas inclinações partidárias, seja por disputa profissional.
Se não conseguir, ao menos atenda-se ao terceiro fator, dar sobrevida à Lava Jato nas manchetes de jornais.
No jornalismo, não há tema que resista ao desgaste da repetição reiterada, nem atentado na França, nem lama de Mariana.
A Lava Jato esgotou seu potencial midiático. Não ganha mais as manchetes principais, e quando ganha é por mera solidariedade partidária dos jornais. Mas não desperta mais o interesse do leitor porque tornou-se uma repetição menor dos procedimentos inciais: anuncia-se uma nova etapa, prende-se a arraia miúda (porque a graúda já foi presa), vaza-se uma delação do delator que ouviu dizer que fulano ouviu dizer que beltrano ouviu dizer que Lula sabia de tudo. Aí o Instituto Lula solta um desmentido que não é desmentido e a vida continua.
Diga-se em favor da Lava Jato, que o modelo de atuação impediu parcialmente o excesso de protagonismo individual de procuradores e delegados. Digo parcialmente porque a imagem de procuradores percorrendo o país com uma lanterna acesa e pregando o fim da corrupção constrangeu públicos mais sofisticados.
Mas, enfim, atuam em equipe, vazam as notícias em equipe e se defendem mutuamente: quando um corregedor da PF ousou colocar em dúvida o grampo na cela de Alberto Yousseff, procuradores da Lava Jato correram para processá-lo por calúnia, injúria e difamação antes mesmo de terminar a sindicância.
Depois de conhecer a luz, deter o poder de comandar as manchetes, montar coletivas aguardadíssimas, o maior temor é a volta à normalidade do trabalho burocrático e das operações invisíveis, pois sem viés político.
Não bastasse o gradativo esgotamento do potencial feérico da Lava Jato, a partir de agora os holofotes terão que ser divididos com colegas que atuarão em outros estados. A divisão da Lava Jato em várias frentes aumentará sua eficácia investigativa, saindo do rame-rame da delação premiada e da quebra de sigilos para ações de inteligência; mas aumentará a disputa pelas manchetes, em um mercado que deixou de ser ofertante.
E aí a Força Tarefa e o juiz Sérgio Moro são vítimas de um problema que acomete toda pessoa que experimentou os holofotes da mídia: a síndrome da abstinência.
O fator Lula
É esse o pano de fundo para essa caçada implacável a Lula. Enfiaram na cabeça e passaram publicamente a expressar esse desejo: querem a cabeça de Lula. Todas suas energias estão a serviço da sua tese. Mas como não pronunciam a palavra Lula, limitando-se a se referir ao “chefe do Dirceu”, atendem aos requerimentos republicanos do Ministro José Eduardo Cardozo.
E aí cria-se um quadro de autoconvencimento que está longe de ser profissional:
- Já tem a conclusão antes das provas: o culpado é Lula.
- Tem o poder de aceitar ou não a delação do delator. E o delator sabe o que os procuradores querem: Lula. E esse desejo expresso, público, notório dos procuradores é a condição para a aceitação da delação do delator. Então, se é isso que eles querem....
- Como o operador não tem provas, provavelmente jamais viu Lula pessoalmente, recorre ao “ouvi dizer”. A delação, então, é vazada para a mídia e o “ouvi dizer” torna-se matéria diária, com procuradores e delegados iludindo-se de que isto é investigação e a imprensa iludindo-se que isto é notícia, e ambos banalizando o conceito de investigação séria que deveria permear a Lava Jato.
O segundo fator é a busca do Santo Graal, a vitória final para a imortalidade: a prisão de Lula, que se tornou uma obsessão para a Lava Jato, seja por suas inclinações partidárias, seja por disputa profissional.
Se não conseguir, ao menos atenda-se ao terceiro fator, dar sobrevida à Lava Jato nas manchetes de jornais.
No jornalismo, não há tema que resista ao desgaste da repetição reiterada, nem atentado na França, nem lama de Mariana.
A Lava Jato esgotou seu potencial midiático. Não ganha mais as manchetes principais, e quando ganha é por mera solidariedade partidária dos jornais. Mas não desperta mais o interesse do leitor porque tornou-se uma repetição menor dos procedimentos inciais: anuncia-se uma nova etapa, prende-se a arraia miúda (porque a graúda já foi presa), vaza-se uma delação do delator que ouviu dizer que fulano ouviu dizer que beltrano ouviu dizer que Lula sabia de tudo. Aí o Instituto Lula solta um desmentido que não é desmentido e a vida continua.
Diga-se em favor da Lava Jato, que o modelo de atuação impediu parcialmente o excesso de protagonismo individual de procuradores e delegados. Digo parcialmente porque a imagem de procuradores percorrendo o país com uma lanterna acesa e pregando o fim da corrupção constrangeu públicos mais sofisticados.
Mas, enfim, atuam em equipe, vazam as notícias em equipe e se defendem mutuamente: quando um corregedor da PF ousou colocar em dúvida o grampo na cela de Alberto Yousseff, procuradores da Lava Jato correram para processá-lo por calúnia, injúria e difamação antes mesmo de terminar a sindicância.
Depois de conhecer a luz, deter o poder de comandar as manchetes, montar coletivas aguardadíssimas, o maior temor é a volta à normalidade do trabalho burocrático e das operações invisíveis, pois sem viés político.
Não bastasse o gradativo esgotamento do potencial feérico da Lava Jato, a partir de agora os holofotes terão que ser divididos com colegas que atuarão em outros estados. A divisão da Lava Jato em várias frentes aumentará sua eficácia investigativa, saindo do rame-rame da delação premiada e da quebra de sigilos para ações de inteligência; mas aumentará a disputa pelas manchetes, em um mercado que deixou de ser ofertante.
E aí a Força Tarefa e o juiz Sérgio Moro são vítimas de um problema que acomete toda pessoa que experimentou os holofotes da mídia: a síndrome da abstinência.
O fator Lula
É esse o pano de fundo para essa caçada implacável a Lula. Enfiaram na cabeça e passaram publicamente a expressar esse desejo: querem a cabeça de Lula. Todas suas energias estão a serviço da sua tese. Mas como não pronunciam a palavra Lula, limitando-se a se referir ao “chefe do Dirceu”, atendem aos requerimentos republicanos do Ministro José Eduardo Cardozo.
E aí cria-se um quadro de autoconvencimento que está longe de ser profissional:
- Já tem a conclusão antes das provas: o culpado é Lula.
- Tem o poder de aceitar ou não a delação do delator. E o delator sabe o que os procuradores querem: Lula. E esse desejo expresso, público, notório dos procuradores é a condição para a aceitação da delação do delator. Então, se é isso que eles querem....
- Como o operador não tem provas, provavelmente jamais viu Lula pessoalmente, recorre ao “ouvi dizer”. A delação, então, é vazada para a mídia e o “ouvi dizer” torna-se matéria diária, com procuradores e delegados iludindo-se de que isto é investigação e a imprensa iludindo-se que isto é notícia, e ambos banalizando o conceito de investigação séria que deveria permear a Lava Jato.
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