Por Marco Damiani, no site Brasil 2 Pontos:
Para usar uma expressão ao gosto do jornalista Elio Gaspari, é certo que acaba de sair um grande livro. O Mundo do Trabalho no Cinema (Organização de Carolina Maria Ruy, 400 páginas, edição Força Sindical/Centro de Memória Sindical) é formado por resenhas de 149 filmes feitos a partir do marco inaugural O Encouraçado Potemkin (Serguei Eisenstein, 1925).
Em textos rápidos que não pecam pela falta de profundidade, ao contrário, têm na reflexão abaixo da superfície visível um grande mérito, a autora conduz o leitor por lembranças de filmes vistos, outros perdidos e muitos somente agora apresentados. O traço de unidade se verifica na seleção e destaque, a cada resenha, da abordagem sobre as relações entre capital e trabalho, inserção e exclusão, riqueza e exploração nas películas analisadas.
Os clássicos todos lá estão – Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1930), As Vinhas da Ira (John Ford, 1940), Ladrões de Bicicleta (Vittorio de Sica, 1948) e A Classe Operária Vai ao Paraíso (Elio Petri, 1971), entre outros -, mas o trabalho de fôlego de Carolina Maria Ruy inclui títulos que, à primeira vista, pouco ou nada têm a ver com o tema proposto. À medida da leitura, porém, logo a autora nos mostra o acerto de suas definições.
Escolhas como as comédias M.A.S.H. (Robert Altman, 1970), A Vida de Brian (Terry Jones, 1979) e Sex and the City (Michael Patrick King, 2008) mescladas com os dramas O Poderoso Chefão 2 (Francis Ford Coppola, 1972), Taxi Driver (Martin Scorcese, 1976), Mississippi em Chamas (Alan Parker, 1988) e as presenças dos nacionais São Paulo Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person, 1965), Eles não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981) e O Homem que Virou Suco (João Batista de Andrade, 1981) dão valor documental e, ao mesmo tempo, amplitude à obra.
Compromissada com a abertura de horizontes, em relação às compilações tradicionais de filmes sobre trabalho e trabalhadores, a autora resenha a animação aparentemente pueril Ratatouille (Brad Bird, 2007), extraindo do exercício uma pensata em tudo atual.
“Merece atenção as dificuldades enfrentadas na travessia dos ratos e a consequente busca de sobrevivência”, escreve Carolina Maria Ruy à página 291. “A situação é análoga ao despejo e a migração”, assinala, para completar: “Em contrapartida, a trajetória do rato protagonista Remy mostra a ousadia e o ímpeto da juventude em buscar novos caminhos e tornar possível o impossível”.
O mesmo tipo de olhar cortante sobre as aparências se faz perceber na resenha de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (Christopher Nolan, 2012).
“A Bolsa de Valores aparece como um dos principais alvos dos bandidos”, conta a organizadora à altura da página 384 de O Mundo do Trabalho no Cinema. “O crime é manipular os dados, extraviar os ativos, tomar o poder e criar um tribunal, que eles chamam de ‘popular’. É uma forma de anarquismo, o outro lado da moeda do liberalismo”, extrai. “Em Batman, o mundo é representado por uma combinação sofisticada de modernidade e obscuro medievalismo (…). Gotham City é a metáfora das metrópoles caóticas e contraditórias. Ao sair do cinema, entende-se que os símbolos estão todos aí”.
Com apresentação dos sindicalistas Miguel Torres, João Carlos Gonçalves (Juruna), e Milton Baptista de Souza (Cavalo), respectivamente presidente e secretário-geral da Força Sindical e presidente do Centro de Memória Sindical, o livro conta com abertura do professor Giovanni Alves, da Unesp.
“A disseminação das novas mídias permite que possamos nos reapropriar delas (as obras cinematográficas retratadas no livro) para promover exercícios de reflexão crítica sobre o drama humano da proletariedade exposto no cinema”, registra ele. “Trabalho e cinema é um tema fundante (e fundamental) do cinema como experiência crítica capaz de nos redimir da barbárie social que aflige, hoje, a civilização do capital nos marcos do capitalismo global”.
Vale o grifo altamente positivo, ainda, para a garimpagem bem sucedida sobre documentários feitos por cineastas brasileiros em torno da saga dos trabalhadores e personagens referenciais da história nacional. É nesse contexto que se incluem em destaque Braços Cruzados, Máquinas Paradas (Roberto Gervitz e Sérgio Toledo, 1978), João Saldanha, Uma Vida em Jogo (André Iki Siqueira e Beto Macedo, 2008) e Dossiê Jango (Paulo Henrique Fontenelle, 2013), que fecha o livro.
Jornalista que atualmente coordena o Centro de Memória Sindical, Carolina Maria Ruy apresenta em O Mundo do Trabalho no Cinema uma edição atraente e em tudo ilustrada, repleta de pontos de entrada e mergulho para a leitura. Um trabalho para ter, consultar e pensar.
Para usar uma expressão ao gosto do jornalista Elio Gaspari, é certo que acaba de sair um grande livro. O Mundo do Trabalho no Cinema (Organização de Carolina Maria Ruy, 400 páginas, edição Força Sindical/Centro de Memória Sindical) é formado por resenhas de 149 filmes feitos a partir do marco inaugural O Encouraçado Potemkin (Serguei Eisenstein, 1925).
Em textos rápidos que não pecam pela falta de profundidade, ao contrário, têm na reflexão abaixo da superfície visível um grande mérito, a autora conduz o leitor por lembranças de filmes vistos, outros perdidos e muitos somente agora apresentados. O traço de unidade se verifica na seleção e destaque, a cada resenha, da abordagem sobre as relações entre capital e trabalho, inserção e exclusão, riqueza e exploração nas películas analisadas.
Os clássicos todos lá estão – Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1930), As Vinhas da Ira (John Ford, 1940), Ladrões de Bicicleta (Vittorio de Sica, 1948) e A Classe Operária Vai ao Paraíso (Elio Petri, 1971), entre outros -, mas o trabalho de fôlego de Carolina Maria Ruy inclui títulos que, à primeira vista, pouco ou nada têm a ver com o tema proposto. À medida da leitura, porém, logo a autora nos mostra o acerto de suas definições.
Escolhas como as comédias M.A.S.H. (Robert Altman, 1970), A Vida de Brian (Terry Jones, 1979) e Sex and the City (Michael Patrick King, 2008) mescladas com os dramas O Poderoso Chefão 2 (Francis Ford Coppola, 1972), Taxi Driver (Martin Scorcese, 1976), Mississippi em Chamas (Alan Parker, 1988) e as presenças dos nacionais São Paulo Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person, 1965), Eles não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981) e O Homem que Virou Suco (João Batista de Andrade, 1981) dão valor documental e, ao mesmo tempo, amplitude à obra.
Compromissada com a abertura de horizontes, em relação às compilações tradicionais de filmes sobre trabalho e trabalhadores, a autora resenha a animação aparentemente pueril Ratatouille (Brad Bird, 2007), extraindo do exercício uma pensata em tudo atual.
“Merece atenção as dificuldades enfrentadas na travessia dos ratos e a consequente busca de sobrevivência”, escreve Carolina Maria Ruy à página 291. “A situação é análoga ao despejo e a migração”, assinala, para completar: “Em contrapartida, a trajetória do rato protagonista Remy mostra a ousadia e o ímpeto da juventude em buscar novos caminhos e tornar possível o impossível”.
O mesmo tipo de olhar cortante sobre as aparências se faz perceber na resenha de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (Christopher Nolan, 2012).
“A Bolsa de Valores aparece como um dos principais alvos dos bandidos”, conta a organizadora à altura da página 384 de O Mundo do Trabalho no Cinema. “O crime é manipular os dados, extraviar os ativos, tomar o poder e criar um tribunal, que eles chamam de ‘popular’. É uma forma de anarquismo, o outro lado da moeda do liberalismo”, extrai. “Em Batman, o mundo é representado por uma combinação sofisticada de modernidade e obscuro medievalismo (…). Gotham City é a metáfora das metrópoles caóticas e contraditórias. Ao sair do cinema, entende-se que os símbolos estão todos aí”.
Com apresentação dos sindicalistas Miguel Torres, João Carlos Gonçalves (Juruna), e Milton Baptista de Souza (Cavalo), respectivamente presidente e secretário-geral da Força Sindical e presidente do Centro de Memória Sindical, o livro conta com abertura do professor Giovanni Alves, da Unesp.
“A disseminação das novas mídias permite que possamos nos reapropriar delas (as obras cinematográficas retratadas no livro) para promover exercícios de reflexão crítica sobre o drama humano da proletariedade exposto no cinema”, registra ele. “Trabalho e cinema é um tema fundante (e fundamental) do cinema como experiência crítica capaz de nos redimir da barbárie social que aflige, hoje, a civilização do capital nos marcos do capitalismo global”.
Vale o grifo altamente positivo, ainda, para a garimpagem bem sucedida sobre documentários feitos por cineastas brasileiros em torno da saga dos trabalhadores e personagens referenciais da história nacional. É nesse contexto que se incluem em destaque Braços Cruzados, Máquinas Paradas (Roberto Gervitz e Sérgio Toledo, 1978), João Saldanha, Uma Vida em Jogo (André Iki Siqueira e Beto Macedo, 2008) e Dossiê Jango (Paulo Henrique Fontenelle, 2013), que fecha o livro.
Jornalista que atualmente coordena o Centro de Memória Sindical, Carolina Maria Ruy apresenta em O Mundo do Trabalho no Cinema uma edição atraente e em tudo ilustrada, repleta de pontos de entrada e mergulho para a leitura. Um trabalho para ter, consultar e pensar.
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